terça-feira, 11 de maio de 2010

Traços da Reforma de 2004

A reforma de 2004 trouxe um grande impacto nos principais temas do contencioso administrativo: não só provocou alterações ao nível da extensão mas também em profundidade, e também no plano da organização judiciária e nas normas de direito processual. Tal como os professores Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida referem, através daquela reforma "salta-se do tradicional modelo francês de contencioso administrativo para um modelo mais próximo do modelo alemão de jurisdição administrativa - o primeiro, inspirado pela histórica figura do "recurso hierárquico jurisdicionalizado" e pela forte limitação dos poderes de decisão do juiz administrativo; o segundo, marcado por uma grande aproximação ao processo civil, pelas figuras típicas da acção constitutiva e condenatória e pela plenitude de jurisdição de verdadeiros tribunais integrados no Poder Judicial."


As principais inovações introduzidas pela reforma do contencioso administrativo foram as seguintes:

No âmbito da jurisdição administrativa
1.Competência para dirimir todas as questões de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas;
2.Competência para dirimir litígios emergentes de contratos celebrados pelo Estado ou outras entidades públicas que a lei especificamente submeta, ou de que admita a submissão, a um procedimento pré-contratual de direito público, cujo regime seja regulado por normas de direito público ou que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.

Distribuição das competências dos tribunais administrativos
1.Transferência de quase todas as competências de primeira instância para os tribunais administrativos de círculo;
2.Transformação do Tribunal Central Administrativo em dois tribunais de apelação, em Lisboa e no Porto;
3.Atribuição primordial ao Supremo Tribunal Administrativo do poder de dirimir conflitos entre os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal e julgar recursos de revista e para uniformização de jurisprudência.

Legitimidade Processual
1.Atribuição da legitimidade passiva, relativamente a todo o tipo de processos, às entidades demandadas, e não aos seus órgãos;
2.Ampliação da legitimidade activa, através do alargamento do âmbito da acção pública e da acção popular e do círculo dos legitimados a propor acções respeitantes a contratos celebrados por entidades públicas.

Formas de processo
1.Instituição de duas formas principais de processo: a acção administrativa comum, que corresponde às antigas acções e segue a tramitação do processo declarativo comum do Código de Processo Civil, e a acção administrativa especial, que segue uma tramitação específica e corresponde aos processos de impugnação de normas e actos administrativos e aos processos dirigidos à emissão de normas administrativos;
2.Instituição de processos urgentes no domínio do contencioso eleitoral, do contencioso relacionado com o procedimento de celebração de certo tipo de contratos, do exercício do direito à informação e do exercício de direitos, liberdades e garantias;
3.Consagração do princípio da não taxatividade das providências cautelares em contencioso administrativo e de critérios flexíveis de ponderação quanto à respectiva concessão;
4.Consagração do princípio da livre cumulabilidade de todos os pedidos num mesmo processo e de soluções que permitem a ampliação do objecto do processo durante a pendência do mesmo, de modo a permitir a impugnação de actos administrativos e contratos supervenientes.

Poderes dos tribunais administrativos
1.Introdução do poder de condenar a Administração Pública à prática de actos administrativos, bem como de emitir pronúncias aptas a produzir os efeitos de actos administrativos estritamente vinculados que a Administração tenha omitido ou recusado ilegalmente;
2.Introdução do poder de impor sanções pecuniárias compulsórias aos titulares dos órgãos administrativos obrigados a cumprir as determinações judiciais;
3.Substituição da anulação dos actos de indeferimento, expresso ou tácito, pelo poder de condenação à prática do acto legalmente devido, valendo tal condenação, implicitamente, como anulação do indeferimento;
4.Introdução do poder de determinar a adopção de providências verdadeiramente executivas, no domínio dos processos de execução para a prestação de factos fungíveis e para o pagamento de quantias.

Outras inovações importantes:
1.Eliminação das restrições tradicionais quanto aos meios de prova admissíveis;
2.Introdução da possibilidade da existência de audiências orais em todos os tipos de processos;
3.Introdução de mecanismos de resolução simplificada de processos em massa e de extensão de efeitos de sentenças a situações similares que não foram submetidas à apreciação dos tribunais;
4.Consagração do princípio de que as entidades públicas também podem ser condenadas em custas e por litigância de má-fé;
5.Previsão da criação de centros de arbitragem institucionalizados destinados a intervir em domínios de maior litigância, como os do funcionalismo público e da segurança social.

Sem comentários:

Enviar um comentário