terça-feira, 18 de maio de 2010

Os Processos Cautelares

Os meios cautelares, antes da Reforma, estavam praticamente reduzidos à suspensão da eficácia do acto, tal como, o contencioso se reduzia ao recurso contencioso de anulação, em grande medida. Para além do mais, os meios cautelares apareciam confundidos numa categoria genérica de “meios processuais acessórios”, onde se juntavam com figuras que não eram verdadeiramente meios cautelares.
Contudo, a Constituição Portuguesa, desde a revisão de 1997, consagra expressamente a protecção cautelar adequada como uma dimensão do princípio da tutela judicial efectiva dos direitos dos administrados. Deste modo, impunha-se uma alteração legislativa, que se efectivou na reforma do Contencioso Administrativo.
Assim, o processo cautelar é um processo que possui uma finalidade específica, a de assegurar a utilidade da lide. Pode afirmar-se que os processos cautelares têm como objectivo garantir o tempo necessário para fazer Justiça, deste modo sendo mais ou menos longo, porque implica uma cognição plena.
Os processos cautelares têm, assim, uma função de prevenção contra a demora, que atribui às providências cautelares as características da instrumentalidade, ou seja, a dependência, na função e não apenas na estrutura, de uma acção principal, cuja utilidade visa assegurar; da provisoriedade, pois não está em causa a resolução definitiva de um litígio; e da sumariedade, que se manifesta numa cognição sumária da situação de facto e de direito, própria de um processo provisório e urgente.
Deste modo, é necessário distinguir os processos cautelares dos processos urgentes autónomos, que são processos principais e visam a produção de decisões de mérito.
As providências catelares vêm previstas no artigo 112.º CPTA e consagram uma plenitude de protecção, tendo em conta que, a lei, em cumprimento da garantia constitucional, admite providências de quaiquer tipos, desde que sejam adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir num determinado processo e sem quaisquer limitações que não sejam as que resultam da natureza das coisas e dos limites funcionais da jurisdição administrativa (assim o ditam os vários preceitos e os princípios gerais).
Com a Reforma, agora, pode pedir-se ao juiz tudo o que seja adequado e que ele possa fazer, tendo em conta os espaços de avaliação e de decisão próprios da Administração.
Assim, contrariamente ao que sucedia anteriormente, o Contencioso Administrativo não dispõe, agora, apenas de providências conservatórias, mas também de providências antecipatórias (incluindo-se nestas as providências de regulação provisória ou interina de situações).
Em relação ao conteúdo, podem ser decretadas quaisquer providências que se revelem adequadas, mesmo sendo feita uma enumeração exemplificativa no 112.º n.º2, em que são predominantes as referências às providências antecipatórias.
É necessário referir que a característica da universalidade se estende a todas as formas de actividade administrativa, não abrangendo apenas actos administrativos, mas também contratos e normas.
Ainda no n.º2 do 112.º, se refere que serão aplicáveis as providências previstas no Código de Processo Civil, com as devidas adaptações. Há, no entanto, autores que contestam esta remissão partindo da ideia que o CPTA já admite quaisquer providências adequadas, levando a que esta previsão nada acrescente de novo, a não ser no domínio da exemplificação.
Concluímos desta forma que, a lei estabelece a universalidade de conteúdos, bem como a universalidade de providências susceptíveis de serem pedidas e concedidas.
A decisão cautelar necessita, contudo, de reunir certos requisitos para que possa ser tomada. Um desses requisitos é o da perigosidade (“periculum in mora”). A medida cautelar ao visar a garantia da utilidade da sentença, pressupõe sempre a existência de um perigo de inutilidade que, pode ser total ou parcial, de uma pronúncia administrativa. Assim, o 120.º CPTA exige que “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”. Deste modo, deve o juiz fazer um juízo de prognose, tentando avaliar se há razões para crer que uma determinada sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela devería beneficiar.
O fundado receio, corresponde, desta forma, a uma prova que, à partida deve ser feita pelo requerente demonstrando que tais consequências são suficientemente prováveis para que se considere compreensível ou justificada a cautela que é solicitada.
Decorre da universalidade das providências admitidas que o “periculum in mora” tanto se pode revelar numa providência conservatória, como numa providência antecipatória. Contudo, no 120.º n.º1 a) não se faz referência a este requisito, sendo de concluir que o tribunal está dispensado de fundamentar a sua decisão com base na comprovação dessa perigosidade específica.
Com a reforma, foi também conferido valor ao “fumus boni iuris” ou aparência de direito, que vem atribuir ao juiz o poder e também dever de avaliar a probabilidade, em termos sumários, da procedência da acção principal. Ou seja, o juiz deve avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir. Pode-se dizer que o “fumus boni iuris” parece ser o único factor relevante para a decisão de adopção da providência cautelar, em caso de evidência da procedência da pretensão principal, designadamente por manifesta ilegalidade do acto.
Deste modo, o juiz pode decretar a providência adequada, mesmo sem que haja prova do receio de facto consumado ou da difícil reparação do dano.
De modo contrário, quando se verifique manifesta falta de fundamento da pretensão principal, deve ser sempre recusada qualquer providência, ainda que apenas conservatória. Nas situações intermédias, em que haja incerteza quanto à existência de ilegalidade ou do direito do particular, a lei opta por uma graduação em função do tipo de providência requerida. Assim, se a probabilidade for maior, pode ser decretada a providência, mesmo que seja antecipatória; se a providência pedida for apenas conservatória, já não é preciso que se prove ou que o juíz fique com a covicção da probabilidade de que a pretensão seja procedente, basta que seja manifesta a falta de fundamento. Desta forma, privilegia-se a justiça material, a legalidade e os direitos dos particulares. Contudo uma ponderação há que ser feita, nomeadamente através do princípio da proporcionalidade na decisão de concessão ou de recusa da providência. A aplicação deste princípio implica que se faça uma ponderação de todos os interesses em causa, de forma a fazer depender a própria decisão sobre a concessão, ou não, da providência cautelar, dos interesses preponderantes no caso concreto, sempre que não seja evidente a procedência ou improcedência da pretensão formulada. Assim, mesmo se reunindo os dois requisitos atrás apontados (“periculum in mora” e “fumus boni iuris”), o juiz deve recusar a concessão da providência cautelar, quando o prejuízo resultante para o requerido se mostre superior ao prejuízo que se pretende evitar com a providência. Nestes termos, a reforma veio introduzir uma dimensão estrita de equilíbrio, em que há necessidade de se proceder a um juízo de prognose, avaliando os resultados de cada uma das alternativas, ponderando danos e prejuízos.
É ainda importante referir que, o juiz pode substituir a providência ou até mesmo decretar “contra-providências” ou “contra-cautelas”. Um exemplo são as imposições de garantias a prestar pelo requerente, deste modo favorecem-se as hipóteses de concessão das providências, embora que sujeitas à condição imposta.
As providências cautelares têm ainda de obedecer quanto ao seu conteúdo, à ideia de necessidade e de adequabilidade. Deste modo, o 120.º n.º2 diz que as providências devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente. Assim, o juiz deve limitar-se ao uso do meio mais adequado e menos gravoso dentro dos possíveis a aplicar. Deve ser utilizada a providência menos gravosa, desde que evite a lesão. A lei pretende assegurar que a medida é a mais adequada ao caso concreto, por isso, permite ainda ao juiz sujeitar a providência a termo ou condição , bem como pode também utilizar o poder de decretar “contra-providências”, atenuando a lesão decorrente da medida cautelar. Estas medidas favorecem a utilização das providências cautelares.
Também a provisoriedade e a temporalidade são características das providências cautelares, uma vez que estas visam uma regulação provisória de interesses em relação à decisão principal. Estas têm uma função provisória, na medida em que, não se podem substituir à decisão principal e que caducam com a execução desta. Dada a sua natureza provisória, as sentenças cautelares caracterizam-se pela sua referência temporal e, deste modo, pela sua contingência. Assim, se prevê que perante uma alteração de circunstâncias possa haver revisão de uma decisão de recusa, admitindo-se a concessão de uma providência anteriormente rejeitada, com base em factos supervenientes. Em sentido contrário, pode também o tribunal determinar a revogação, a alteração ou a substituição da providência adoptada ou de outros aspectos da decisão (“contra-providências, cláusulas acessórias).
Ainda associado ao carácter provisório da providência, deve recordar-se que a lei prevê a responsabilidade civil do requerente, sendo que este tem o dever de indemnizar os danos que eventualmente cause, com dolo ou negligência grosseira, ao requerido e aos contra-interessados, em especial quando não haja decisão final de mérito no processo principal favorável ao requerente.
Aos processos cautelares há ainda que acrescentar a característica da urgência e da sumariedade. A urgência justifica-se, como tudo indica, por força do “periculum in mora” e traduz-se na qualficação dos procesos cautelares como processos urgentes. A sumariedade cognitiva está, por sua vez, naturalmente associada à urgência. Tendo em conta o “fumus boni iuris”, a sumariedade manifesta-se na mera exigência de um juízo de probabilidade ou verosimilhança sobre a existência do direito que se pretende acautelar. Nestes termos, embora o CPTA não o preveja, deve entender-se que se aplica a norma do CPC que confere ao juiz o poder-dever de decretar a providência inaudita parte, quando a audiência puser em sério risco o fim ou a ineficácia da providência.
Como já foi referido, os processos cautelares estão em dependência directa de uma causa principal, que tem por objecto a decisão sobre o mérito. Daí a sua instrumentalidade estrutural, pois estes visam assegurar a utilidade da sentença a proferir num outro processo e só podem ser iniciados por quem tenha legitimidade para intentar esse processo (art.112.º).
A instrumentalidade associada à provisoriedade, implica também a reversibilidade da providência, ou seja, a proibição de, no processo cautelar se obter um efeito que corresponda ao provimento antecipado do pedido de mérito em termos irreversíveis.
Mais uma das novidades da Reforma consiste na possibilidade de convolação do processo cautelar em processo principal, permitando-se ao juiz que antecipe o juízo de fundo, caso haja manifesta urgência na resolução definitiva do caso. Não obstante, os requisitos legais para que haja convolação são muito exigentes, como se justifica pelo facto de o conhecimento do juiz nestes processos ser sumário, por definição.
A lei estabelece também que pode haver decretamento provisório das providências cautelares, este regime é válido para qualquer providência em situação de especial urgência, salvo quando esteja em causa a suspensão de um acto administrativo ou de uma norma regulamentar, em que é sempre aplicável ao caso o regime especial da proibição de execução previsto no artigo 128.º. Levanta-se a dúvida de saber se o decretamento provisório deve ser requerido ou se pode ser decidido oficiosamente pelo juiz e, a interpretação mais correcta, à luz do princípio da tutela judicial efectiva, aponta para que o juiz possa, pelo menos quando esteja em causa a lesão iminente e irreversível de direitos, liberdades e garantias, decretar provisoriamente a providência requerida ou outra que julgue adequada, mesmo que o decretamento provisório não tenha sido pedido. Há que referir ainda, que se tratando de uma decisão cautelar provisória, esta pode ser decretada sem contraditório e ainda, sem necessidade de aplicação dos critérios do 120.º CPTA, basta que se verifique a especial perigosidade ou especial urgência.
Concluindo, podemos afirmar que estes são os principais aspectos que se podem referir a propósito dos processos cautelares, bem como em relação aos traços modificadores da Reforma.

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