sexta-feira, 21 de maio de 2010

A causa de pedir no recurso directo de anulação

A causa de pedir no recurso directo de anulação:

No recurso contencioso de anulação, a causa de pedir, que justifica a interposição do recurso pelo particular, é o acto administrativo inválido. Fica, contudo, em aberto o problema de saber se esse acto administrativo que constitui a causa de pedir, deve ser entendido como uma realidade objectiva que foi trazida a processo ou como uma realidade que deve ser configurada de acordo com as pretensões das partes.
Uma concepção puramente objectivista do recurso de anulação deveria implicar, logicamente, um entendimento da causa de pedir, enquanto realidade fáctica, objectivamente configurável e independente das alegações dos particulares. Assim, objecto do processo deveria ser a legalidade ou ilegalidade do acto ou do exercício do poder administrativo em toda a sua amplitude e independentemente das razões jurídicas invocadas pelas partes.
Sendo o recurso de anulação, um meio e um meio particularmente importante do controlo ao qual a Administração deve ser submetida em vista da salvaguarda do direito objectivo e a função do particular no processo e de um ministério Público efectuando a repressão de uma infracção, a causa de pedir no recurso de anulação deve permitir uma consideração objectiva da legalidade ou ilegalidade do acto face a todas as possíveis normas aplicáveis e no que respeita a todas as possíveis fontes de invalidade.
Igualmente, a consideração do inteiro acto do exercício do poder administrativo como objecto do processo determina um alargamento da causa de pedir, independentemente da consideração da situação jurídica do particular que interpõe o recurso, a fim de poder controlar a inteira dinâmica do exercício do poder administrativo. Um tal controlo do juiz implica perder-se qualquer possibilidade de ligação ou contraposição relacional entre os poder de administração e a situação do particular, uma vez que a função do juiz administrativo não é a de eliminar o acto administrativo pelo prejuízo causado ao particular, mas declarar o regular modo de exercício do poder.
Esta noção amplíssima do objecto do processo vai ter como consequência, ao nível do caso julgado, uma noção ampla de sentença, que não se limita a anular o acto concreto em função dos direitos lesados dos particulares, mas que pretende ter uma eficácia orientadora da futura actuação da Administração. Na verdade existe uma relação directa entre um entendimento objectivista do contencioso administrativo e uma noção ampla da causa de pedir.

Uma concepção objectivista do recurso de anulação implica, logicamente, a consideração da validade ou invalidade do acto administrativo como causa de pedir, independentemente das alegações dos particulares relativas aos seus interesses materiais lesados. Não é a posição do cidadão, mas a legalidade objectiva que está a ser objecto do controlo judicial, uma qualquer lesão dos interesses próprios do demandante só é motivo para a introdução de um processo de controlo, na medida em que essa circunstância seja apta a realização de um controlo efectivo: o cidadão demandante desempenha o papel de um funcionário do controlo administrativo.
Uma concepção subjectivista do objecto do processo de anulação configura a sua causa de pedir na sua ligação com os direitos dos particulares. Não é o acto administrativo na sua globalidade, que constitui o objecto do processo, mas sim o acto enquanto lesivo dos direitos dos particulares e que foi trazido a processo, através das suas pretensões.
Uma tal noção de causa de pedir implica que nem todas as violações jurídicas são subjectivas, agora, relevantes em termos de controlo. A protecção subjectiva jurídica é, nessa medida, contrariamente ao controlo jurídico objectivo, uma protecção jurídica restritiva. Assim, a causa de pedir no recurso de anulação não é a apreciação de todas as possíveis fontes de invalidade dos actos administrativos, mas o concreto comportamento inválido da Administração, na sua relação com o particular, tal como foi por este configurado através das suas alegações.
A esta noção subjectivista de causa de pedir chegou, também, a doutrina e a jurisprudência portuguesa, malgrado o de tipo objectivistas. Ao entender que a causa de pedir no recurso directo de anulação era o acto administrativo inválido tal como configurado pelos particulares e não, sem mais, a validade ou invalidade, objectivamente considerada, desse mesmo acto, a jurisprudência e a doutrina portuguesa, continuando a afirmar a sua fidelidade às concepções da doutrina do processo a um acto, acolhiam uma noção subjectivistas de objecto do recurso de anulação.
A razão de ser desta atitude paradoxal teve, talvez, a ver com a influencia do processo civil, cujo código, no seu art. 498º/4, determina que a causa de pedir nas acções constitutivas e de anulação de facto concreto ou a nulidade especifica que se invoca para obter o efeito pretendido, o que parece revelar que a lei portuguesa seguiu, nesse ponto, a chamada teoria da substanciação, aproximando-se, assim, duma noção substantiva, e não puramente processual, do objecto do processo. Terão ainda pesado a favor deste entendimento restrito da causa de pedir dois outros factores: a Teoria do caso julgado e a Teoria do acto administrativo.

Mesmo os defensores da concepção do objecto do processo como versando sobre um acto administrativo defendem uma causa de pedir entendida em termos subjectivos. Causa de pedir é, de acordo com a jurisprudência e a doutrina dominante em Portugal, o concreto comportamento inválido da Administração, tal como foi configurado pelos particulares e em conexão com os seus interesses substantivos.
Em conclusão, pode-se afirmar que, no recurso directo de anulação, a causa de pedir não é a ilegalidade absoluta ou abstracta do acto administrativo impugnado, mas uma ilegalidade relativa, quer dizer, relacionada com o direito subjectivo lesado, tem sempre de se verificar uma relação de ilegalidade ou conexão de ilegalidade entre a ilegalidade do acto administrativo e a lesão de um direito subjectivo.

Daniel Marques Sub – turma 2 N.º 16293

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