sexta-feira, 21 de maio de 2010

A Impugnação de Actos Administrativos

A impugnação de actos administrativos vem regulada nos arts.51 e ss do CPTA.
No que diz respeito á função da impugnação de actos administrativos esta é, nos termos mais amplos, a de controlo da sua invalidade. Por isso a lei continua a prever a sua utilização deste meio para obter a declaração de nulidade ou de inexistência de actos administrativos, embora seja provável que o pedido continue a ser em regra dirigido a obter a anulação de tais actos.
Relativamente ao seu objecto, cabe em primeiro lugar definir o conceito de acto administrativo.
Este conceito começa por pressupor um conceito material de acto administrativo, que se refere, às decisões materialmente administrativas de autoridade que visem a produção de efeitos numa situação individual e concreta, independentemente da forma sob que são emitidas, art. 120 CPA. No entanto este conceito de acto administrativo é diferente do conceito processual de acto administrativo impugnável, na medida em que este é por um lado, mais vasto e, por outro mais restrito. É mais vasto no sentido em que não depende da qualidade administrativa do seu autor, incluindo assim não só as decisões tomadas por entidades privadas que exerçam poderes públicos com ainda os actos emitidos por autoridades não integradas na Administração pública, art.51/2. Parece ser mais restrito, porque só abrange expressamente as decisões administrativas, com eficácia externa ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, art.51/1 – devendo entender-se que os actos com eficácia externa são os actos que produzam ou constituam efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respectiva eficácia concreta. Incluem-se aqui seguramente, os actos destacáveis do procedimento e pretendem-se excluir os actos internos com as excepções a propósito da legitimidade do presidente do órgão colegial para impugnar os actos do colégio e da dos órgãos para impugnação de actos de outros órgãos da mesma pessoa colectiva. O problema consiste em saber se são impugnáveis as decisões administrativas preliminares que determinem peremptoriamente a decisão final de um procedimento com efeitos externos, mas que não tenham, elas próprias, capacidade para constituir tais efeitos externos, que só se produzam através da decisão final. Embora, nestes casos, os actos não visem directamente produzir o efeito lesivo, poderá aceitar-se a impugnabilidade dessas decisões como expressão de uma defesa antecipada dos interessados, na medida em que com grande probabilidade irão causar lesões em direitos dos particulares – não estando essa impugnabilidade determinada no art.51 CPTA, ela deve ou deveria decorrer expressamente ou inequivocamente da lei. A admitir estas hipóteses de impugnabilidade não poderá dai resultar um ónus de impugnação para o particular: o não exercício do direito de impugnar não pode obstar à impugnação das decisões finais respectivas com fundamento na ilegalidade da pré-decisão ou do parecer vinculante sob pena de se transformar numa desprotecção efectiva o que se pretendia ser uma garantia do particular.
A questão principal a resolver no processo é, em qualquer caso, nos termos da lei, a da ilegalidade do acto impugnado e não necessariamente a da lesão de um direito substantivo do particular. Nos termos do art.95/2 CPTA, o juiz tem de conhecer de todos os vícios invocados pelo autor e, além disso, deve averiguar oficiosamente a existência de ilegalidades do acto impugnado, em derrogação do principio da limitação do juiz pela causa de pedir.
O CPTA, relativamente à impugnação de actos administrativos enuncia três modalidades de acções: em primeiro lugar temos a impugnação de acto meramente confirmativo, que vem regulada no art.53 CPTA; em segundo lugar, a impugnação de acto administrativo ineficaz, que consta do art.54 CPTA; e em terceiro e último lugar temos a impugnação de actos de indeferimento. Os actos de indeferimento são verdadeiros actos administrativos e como tal susceptíveis de impugnação na medida em que têm eficácia externa, mas o legislador, quando se trate de actos de pura recusa, formal ou substancial, prefere que o particular utilize o pedido de condenação da Administração á prática do acto devido, no pressuposto de que esse pedido confere uma tutela mais intensa ao particular e que resolverá de uma vez a situação, por isso obriga o juiz a convidar o autor a substituir, com esse sentido a petição apresentada, art.51/4 CPTA. Deve entender-se porém que esta não exclui em termos absolutos a impugnabilidade autónoma de decisões de indeferimento, pelo menos quando o particular demonstre um interesse relevante ou até mesmo um direito à anulação ou à declaração de nulidade do acto; tal como não contraria a lei a admissibilidade de o particular cumular o pedido de condenação com o pedido de anulação sem desistir da formulação autónoma deste. Fora destes casos de indeferimento ”total e directo” não haverá dúvidas quanto à utilização autónoma do pedido de impugnação no que respeita a actos positivos que contenham declarações tácitas de indeferimento parcial da pretensão, ou menos ainda, com os actos positivos de duplo efeito ou com os actos concludentes – embora estes pedidos admitam ou possam carecer de uma cumulação com o pedido de condenação à prática do acto devido).
Quanto à legitimidade, temos por um lado a legitimidade activa e por outro a legitimidade passiva. A legitimidade activa para impugnação de actos administrativos é actualmente reconhecida pelo art.55 do CPTA, quer no âmbito da “acção particular” quer no âmbito da “acção popular”, quer ainda no âmbito da “acção pública”. No âmbito da “acção particular” a legitimidade activa é reconhecida a quem seja titular de um interesse directo e pessoal na impugnação, designadamente quando alegue uma lesão de interesses legalmente protegidos, isto é, a quem retira imediatamente da anulação ou declaração de nulidade um benefício específico para a sua esfera jurídica mesmo que não invoque a titularidade de uma posição jurídica subjectiva lesada, art55/1 a); às pessoas colectivas privadas, quantos aos interesses que lhes cumpra defender, designadamente às associações que tem por fim a defesa de direitos ou interesses legalmente protegidos dos seus membros, isto é, trata-se da defesa de direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos membros, não abrangendo a defesa individual de interesses individuais, art55/1 c); às pessoas colectivas públicas, actuando em defesa de interesses próprios, no âmbito das relações inter-administrativas, pelos menos quando estejam numa posição de sujeição, bem como aos órgãos administrativos relativamente a actos praticados por órgãos da mesma pessoa colectiva, art.55/1 c) e d). No que respeita ao âmbito da “acção popular”, a legitimidade é atribuída aos cidadãos eleitores das comunidades locais, para impugnação dos actos dos respectivos órgãos autárquicos, independentemente de terem um interesse directo e pessoal na anulação, através da “acção popular local”, art.55/2; a qualquer pessoa, bem como ao Ministério Público, às autarquias locais e às associações e fundações de defesa de certos interesses difusos, relativos a valores e bens comunitários constitucionalmente protegidos, nos termos do art. 9/2 (na chamada acção popular administrativa, a que poderíamos chamar acção popular social), art.55/1 f). Por último, quanto ao âmbito da “acção pública”, a legitimidade é atribuída ao Ministério Público para defesa da legalidade, art.55/1b); aos presidentes dos órgãos colegiais contra os actos do respectivo colégio, ou a outras autoridades, nos casos previstos na lei, quando esteja a em causa a defesa da legitimidade, art.55/1 e). No que diz respeito à legitimidade passiva, uma das grandes novidades é justamente a de que, mesmo relativamente aos meios impugnatórios, a parte no processo passa a ser a pessoa colectiva pública ou, no caso do Estado, o Ministério, se o acto for de autoria de um órgão integrado numa estrutura ministerial, art.10/2 do CPTA. Só assim não acontecerá, naturalmente, no caso de impugnação do acto administrativo por outro órgão da mesma pessoa colectiva, art.10/6 CPTA. Importante é também a imposição legal do litisconsórcio passivo necessário sempre que existam contra-interessados, art.57 CPTA.
No que toca aos seus efeitos, a impugnação de um acto administrativo, em regra, não suspende, automaticamente a eficácia do acto, que, se não for nulo, continua a produzir os seus efeitos e a obrigar os respectivos destinatários, sendo inclusivamente, se for caso disso, susceptível de execução coactiva pela Administração: o interessado, se já não o tiver feito antes, terá de pedir ao tribunal a suspensão da eficácia do acto no âmbito de um processo cautelar. A suspensão da eficácia como efeito automático da impugnação judicial só se verifica nos casos excepcionais previstos na lei e, em geral, por força do nº2 do art.50 do CPTA, quando o acto determine apenas o pagamento de uma quantia certa, sem natureza sancionatória, desde que seja prestada caução. Quanto ao prazo, ao contrário do que acontece com o pedido de declaração da nulidade, que pode ser apresentado a todo o tempo, a impugnação do acto anulável continua sujeita a um prazo relativamente curto de impugnação, cuja queda determina a inimpugnabilidade da decisão e a formação de caso decidido. Mantém o prazo de um ano para a impugnação de actos anuláveis pelo Ministério Público contado globalmente a partir da prática do acto ou da publicação, se obrigatória. Já o prazo do particular e demais impugnantes é alargado para três meses (contado da notificação para os destinatários do acto) e passa a sujeitar-se ao regime dos prazos processuais (CPC), de modo que, embora continue a ser contínuo, deixa de correr nas férias judiciais. Embora apenas dentro do prazo de um ano, admite-se a impugnação para além dos três meses quando se prove a inexigibilidade da impugnação tempestiva a um cidadão normalmente dirigente, concretizada pela lei em três situações: em caso de justo impedimento e nos casos de erro induzido pela Administração ou de erro desculpável (manifestação do principio do favorecimento do processo). O prazo para os destinatários, só começa a contar a partir da notificação, mesmo que o acto dependa da publicação obrigatória, art.59/1 do CPTA. A notificação ou publicação deficiente tem efeitos diferentes, conforme a deficiência: se não der a conhecer o sentido da decisão, causa a inoponibilidade do acto e, portanto, obsta ao início da contagem do prazo de impugnação; quando falta indicação do autor, da data ou dos fundamentos da decisão, permite o requerimento para informação e, eventualmente, a intimação judicial, com os efeitos de interrupção do prazo.
A utilização de meios de impugnação administrativa (reclamações ou recursos, nos termos gerais do CPA ou de legislação especial) suspende o prazo de impugnação judicial do acto, mas não impede o interessado de proceder a esta impugnação na pendência daquela, art.59/4 e 5 CPTA. Estas disposições pressupõem que a impugnação administrativa seja facultativa, visto que, a haver uma impugnação administrativa necessária, esta, em regra, suspende a própria eficácia do acto, de modo que não se porá um problema de suspensão do prazo de impugnação judicial. Saliente-se que a impugnação administrativa facultativa não suspende a eficácia do acto, pelo que o particular terá todo o interesse em pedir a suspensão administrativa da execução ou em solicitar ao tribunal uma providência cautelar adequada, mesmo que não utilize imediatamente a faculdade de propositura da acção na pendência da impugnação. Tenha-se ainda em atenção, que a lei determina a suspensão e não a interrupção do prazo judicial, que, no entendimento rigoroso da disposição legal, retomará o seu curso depois de proferida a decisão ou de decorrido o respectivo prazo.
As sentenças de provimento, para além dos seus efeitos directos (constitutivos, na anulação, ou meramente declarativos, na declaração de nulidade ou de inexistência) geram ainda, em regra, por força da retroactividade dos seus efeitos, a obrigação para Administração de reconstruir a situação de facto de acordo com o julgado, além de ter de actuar no respeito pelo decidido. Estes efeitos não deixam de produzir-se quando o pedido tenha sido de estrita a anulação, embora, seja admissível e provável que o restabelecimento da situação constitua objecto de pedido cumulado com o pedido anulatório.

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