sexta-feira, 21 de maio de 2010

Pode o juiz administrativo carrear factos novos para o processo ou isso fará dele uma parte processual? – O Julgamento Final

Plano do Trabalho

1. Introdução
2. Alegações Iniciais
3. Fase do Saneamento e da Instrução
4. O artigo controvertido
5. Alegações Finais
6. Veredicto


1. Introdução

O trabalho que agora se segue – o nosso julgamento final, ou seja, o post final – procurará dar resposta ao problema de se saber se o juiz pode carrear factos novos para o processo, ou, pelo contrário, isso significaria que o juiz seria uma parte processual. Iniciaremos este texto, com as alegações iniciais, os considerandos sobre a causa de pedir, enfim, iremos aqui traçar um enquadramento geral à questão que procuraremos analisar nas linhas seguintes. Depois, faremos uma brevíssima alusão à fase do Saneamento e da Instrução, verificando se é possível enquadrar a questão proposta, nestas fases do processo. Seguidamente, e sem
mais delongas, evidenciaremos o artigo da discórdia, enfim, a matéria controvertida deste nosso julgamento final, que, não poderia terminar sem as alegações finais e sem o nosso veredicto final.


2. Alegações Iniciais

O problema que aqui procuraremos discutir, dando resposta à questão proposta neste trabalho, tem como pano de fundo, a noção da causa de pedir, questão que, na perspectiva do Professor Vasco Pereira da Silva, é ainda muito marcada pelos “traumas da infância difícil do Contencioso Administrativo”, noção que é muito discutida, em especial a propósito da impugnação dos actos administrativos.
O problema da noção da causa de pedir e das dificuldades da sua definição não é exclusivo do Contencioso Administrativo, bastando visualizar o que nos é ensinado pelo Professor José Lebre de Freitas, que embora defina a causa de pedir como “o núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido”, afirma que o seu conceito não se encontra totalmente elaborado na doutrina.
Voltando à nossa sala de audiências – o mesmo é dizer, ao Contencioso Administrativo, o Professor Vasco Pereira da Silva afirma que a orientação a tomar quanto à causa de pedir deve depender da função e da natureza que é atribuída ao Contencioso Administrativo, distinguindo-se, por um lado, a orientação objectivista da justiça administrativa (mais ligada à ideia do processo, como um processo de actos) que implica a aferição da validade do acto administrativo como causa de pedir, independente das alegações dos particulares relativas aos seus interesses materiais lesados e, por outro lado, uma orientação subjectivista (mais ligada à ideia de processo de partes) que configura, tal como afirma o Professor Vasco Pereira da Silva, a causa de pedir na sua ligação com os direitos dos particulares, não constituindo o acto administrativo, na sua globalidade, o objecto processual, entendo-se pelo contrário, que é o acto administrativo mas no sentido de acto lesivo de direitos e chamado à colação pelos particulares, que constitui o objecto do processo, apontando ainda, Krebbs para uma ideia de nexo entre a ilegalidade da actuação administrativa e o direito subjectivo violado, enfim, é a evidenciação do processo administrativo como um processo de partes, orientado numa perspectiva subjectivista.
Cabe ainda dizer, em sede de alegações iniciais, que a reforma instituiu um Contencioso Administrativo de cariz subjectivista, destinado à protecção plena e efectiva dos direitos particulares, afirmação facilmente retirada da leitura dos artigos 268º nº4 da CRP e 2º do CPTA. Assim, conclui o Professor Vasco Pereira da Silva, que a causa de pedir deve ser sempre entendida, não em termos abstractos, mas de forma conexa com as pretensões formuladas pelas partes, ou seja, a causa de pedir deve ser perspectivada, nos termos do que foi explanado, numa perspectiva subjectiva, tendo em conta a matriz da própria Justiça Administrativa, verdadeiramente subjectivista.


3. Fase do Saneamento e da Instrução

Nesta fase prévia à audiência final, despenderei apenas algumas linhas, para aferir se na fase do saneamento ou da Instrução, existe um qualquer desvio à vinculação do juiz à causa de pedir.
Começando pelo saneamento, o artigo 87º do CPTA, estipula quando é que existe lugar a despacho Saneador, sendo três os casos em que o juiz deve proferir despacho Saneador: Em primeiro lugar, de acordo com a alínea a) do nº1 do artigo 87º do CPTA, deve o juiz proferir despacho saneador sempre que deva conhecer obrigatoriamente de questões que possam obstar ao conhecimento do objecto do processo. Em segundo de lugar, nos termos da alínea b), sempre que deva conhecer do mérito da causa, por acordo entre o autor e os demandados (ou melhor, sem que exista oposição destes), tendo sido dispensadas as alegações finais e permitindo o estado do processo este conhecimento. Por último, de acordo com a alínea c), sempre que deva o juiz determinar um período de produção de prova. Desta breve análise, concluímos que o juiz não chama ao processo factos novos, pelo que nunca seria por aqui parte processual.
Já na fase de instrução, cumpre atentar no artigo 90º nº1 do CPTA, onde é estatuído que o juiz pode ordenar as diligências da prova que considere adequadas para o apuramento da verdade. Ora, esta estatuição, deve ser interpretada, tal como propõe o Professor Mário Esteves de Oliveira, de acordo com a disposição constitucional constante do 265º nº3, ou seja, pode o juiz ordenar as diligências de prova que considere adequadas, mas só aquelas que respeitem a factos que integrem a causa de pedir, quer dizer, o juiz pode em sede instrução aferir da validade dos factos constantes da causa de pedir, mas não de outros, que possa considerar adequados para a decisão da causa, mas que não constem da causa de pedir. Este entendimento é partilhado pelo Professor Vieira de Andrade, pelo que, na esteira destes dois autores, e feita a devida interpretação do preceito, também concluímos, que o juiz não traz aqui factos novos ao processo, pelo que, não se coloca sequer a questão de se saber se carrear factos novos ao processo é possível ou se isso tornaria o juiz como parte processual. Avancemos, sem mais delongas, para o artigo controvertido: O artigo 95º do CPTA.


4. O artigo controvertido

Entrámos agora na análise no artigo que gera a controvérsia, enfim, que provoca a discussão que agora estamos aqui a dar nota. Vejamos o artigo 95 nº1 e nº2 do CPTA:

 95º Nº1 CPTA – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou no acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.

 95º nº2 CPTA – Nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado, excepto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório.

Se estivéssemos a elaborar um despacho saneador, colocaríamos de imediato, a frase que colocámos a vermelho, no lado da matéria controvertida. Vamos perceber porquê, nas alegações finais.

5. Alegações Finais

Em sede de alegações finais, cumpre de imediato dizer, que não existe, nenhum problema com o estatuído no artigo 95º nº1, na medida em que, a regra aí disposta corresponde a um princípio geral de contraditório no Contencioso Administrativo, ainda que “temperado”, na expressão do Professor Vasco Pereira da Silva, pela consagração de poderes inquisitórios ao juiz. Enfim, o juiz cinge-se apenas às questões colocadas à sua apreciação, podendo conhecer oficiosamente outras questões, mas apenas mediante imposição legal. Nenhum problema, portanto.
Chegados ao 95º nº2, começa a controvérsia. Enfim, em bom rigor, existe ainda um “período de ambientação”, porque a primeira parte desse nº2 não suscita, igualmente, problemática de relevo, procurando-se apenas, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, que o juiz não fique limitado ao conhecimento da primeira ilegalidade suscitada ou ao conhecimento parcial das ilegalidades que lhe sejam submetidas. Já, a segunda parte (que inicia com a frase colocada a BOLD), levanta outro tipo de problemas. Aliás, deve-se começar por perguntar, se não vem este 95 nº2, segunda parte, excepcionar o previsto no nº1, em sede de processos impugnatórios? Não se pode considerar que estejamos em presença de uma norma excepcional (ou seja, não se regula em sentido oposto ao previsto na norma comum), mas certamente em presença de uma norma especial (criação de um regime regra para um conjunto de situações, sem ir em sentido oposto ao previsto na norma comum), realidade que é desde logo aferida, pela parte final do nº1, que ressalva o disposto no número seguinte, portanto, no nosso nº2. Pela ideia de especialidade da norma contida no nº2, Vasco Pereira da Silva e Mário Esteves de Oliveira).
O Professor Vasco Pereira da Silva, começa por clarificar que o 95 nº2, consagra o dever do juiz de identificar causas de invalidade diferentes daquelas que foram alegadas, mas que não se pode confundir identificação dessas mesmas causas, com a introdução de factos novos.
Este autor continua, dizendo que em primeiro lugar o juiz pode qualificar de forma diferente os factos alegados das partes. Os tribunais conhecem de direito, e portanto podem qualificar juridicamente determinado facto, da maneira que considerarem mais adequada, não se encontrando vinculados em termos de direito, diferentemente do que sucede com os factos. Assim, o juiz não está sujeito à qualificação jurídica dos factos, elaborada pelas partes, somente aos factos que as partes alegam.
Uma outra nota que deve aqui ser conferida, relaciona-se com o facto da Reforma, permitir agora que o juiz possa aceder aos comportamentos da Administração, na medida da lesão dos direitos alegados pelos particulares (mais uma manifestação da matriz subjectivista da Justiça Administrativa Portuguesa), realidade que, sob o ponto de vista da análise do referido 95º nº2 do CPTA, consagra um aumento dos poderes do juiz, no que respeita ao conhecimento do objecto do processo.
Por último, uma palavra para o facto de, do ponto de vista processual, os vícios serem vistos, antes da reforma, como uma forma de introduzir em juízo a causa de pedir, num panorama de contencioso administrativo objectivista, sendo os direitos do particular um pretexto do Contencioso, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, pelo que o pedido era visto de forma imediata e a causa de pedir, ao invés de ser perspectivada do ponto de vista dos direitos dos particulares lesados pela actuação administrativa, era vista do ponto de vista dos vícios do acto administrativo, não podendo o juiz aceder de forma directa aos direitos subjectivos.
O Professor Vieira de Andrade deve ser chamado também a depor, em sede das nossas alegações finais. Para este autor, “nos termos do artigo 95 nº2”, o juiz tem de conhecer de todos os vícios invocados no processo e, além disso, deve averiguar oficiosamente a existência de ilegalidades do acto impugnado, em clara derrogação do principio da limitação do juiz pela causa pedir”, consagrando-se para este autor, um traça de cariz objectivista do modelo legal. Vieira de Andrade, considera, portanto, que o 95º nº2 constitui uma excepção ou um desvio do principio da limitação do juiz pela causa de pedir.
O Professor Vasco Pereira da Silva, entende que, o juiz não é nem pode ser uma parte, pelo que não pode carrear factos novos para o processo, mas que (e é isso que sucede no nosso ordenamento jurídico) o juiz não deixa de ter amplos poderes de conhecimento do objecto do processo, “sempre no limite dos direitos invocados pelas partes, ao ser-lhe permitido aceder directa e plenamente ao pedido e à causa de pedir alegados, sem a mediação objectivista e limitadora dos vícios, e sem ter mesmo de se confinar apenas ao acto administrativo impugnado.”
Chamado a depor, o Professor Mário Aroso de Almeida é peremptório: “A solução do artigo 95 nº2, não representa um desvio ou excepção ao princípio da limitação do juiz pela causa de pedir”, e explicita, “tudo depende da maior ou menor extensão com que se entenda configurar a pretensão anulatória que é deduzida no processo de impugnação de actos administrativos”, não considerando este autor, que seja de associar a cada causa de invalidade do acto impugnado uma determinada pretensão anulatória, fundada numa especifica causa de pedir”.
Cumpre decidir.



6. Veredicto Final

Após ouvidas as partes, cumpre declarar a nossa decisão, neste julgamento final. Assim, deferimos a posição do Professor Vasco Pereira da Silva, na mesma lógica do Professor Mário Aroso de Almeida, diferentemente do Professor Vieira de Andrade, cuja posição, salvo o devido respeito, é de indeferir. Consideramos que, o artigo 95 nº2, não constitui, efectivamente, qualquer desvio à vinculação do juiz à causa de pedir, simplesmente, numa lógica subjectivista do processo administrativo, são dados maiores poderes ao juiz para, dentro dos limites impostos pela causa de pedir, poder averiguar do objecto do processo com maior amplitude, não tendo que ficar preso ao acto administrativo impugnado ou a uma mediação dos vícios processuais.

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