sexta-feira, 21 de maio de 2010

Breve análise do regime de impugnação de normas

A revisão constitucional de 1997, no intuito de garantir a tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, veio estabelecer no artº268º/5 da CRP o direito dos cidadãos a ”impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesiva dos seus interesses legalmente protegidos”.

Apesar da possibilidade de se impugnar normas administrativas por força do princípio da legalidade, nos termos do art. 1.º n.º 1 do ETAF, são os tribunais administrativos a ter de verificar a conformidade das normas regulamentares, estando sempre vinculados a fazê-lo aquando da aplicação da lei.

Note-se que o contencioso de normas regulamentares, para o Professor Vasco Pereira da Silva, é uma característica particular do direito português, tendo em conta que o modelo francês não autonomizou o contencioso regulamentar dos actos administrativos, e que o modelo alemão só prevê meios processuais de alcance restrito relativos a determinadas categorias de regulamentos.

Como ensina Vieira de Andrade era inevitável que surgisse alguma resistência à admissibilidade de impugnação judicial directa de normas administrativas.

Por um lado, estava em causa o respeito pela autoridade normativa do Governo uma vez que se trata de normas administrativas. Por outro lado, fala-se aqui de regras gerais e abstractas que dificilmente seriam susceptíveis de produzirem lesões directas na esfera dos particulares.

Antes da reforma, existia a declaração de ilegalidade de normas administrativas (artigos 66 e seguintes da LEPTA), meio utilizável contra as normas regulamentares, tendo a norma de ser exequível por si mesma ou ter sido já julgada ilegal a título incidental em 3 casos concretos, independentemente de terem sido emanadas de um órgão ou entidade.

Existia ainda a “impugnação de normas”, um meio processual especial, previsto nos artigos 63 e seguintes da LEPTA. Apesar de ter menos requisitos, este meio tinha uma aplicação mais limitada dirigindo-se aos regulamentos provenientes da administração local comum.

Nesta fase, cabe salientar que, no entender do Professor e tendo em conta o art.º 120.º do CPA, só os actos administrativos gozam simultaneamente de “individualidade e concretude”. Logo, nos termos do art. 114.º e ss. do CPA, para efeitos processuais, são regulamentadas todas as disposições unilaterais que sejam só gerais, ou só abstractas, ou ambas.

Na prática, para efeitos da acção administrativa especial denominada para impugnação de normas, são consideradas “todas as actuações jurídicas gerais e abstractas ou que possuam apenas uma destas características emanadas de autoridades públicas, ou de particulares que com elas colaborem, no exercício da função administrativa”.
Assim, ficam excluídos do seu âmbito de aplicação os actos materialmente administrativos, individuais e concretos, ainda que se encontrem num diploma legislativo ou regulamentar, uma vez que não é a forma do acto que importa, mas antes o seu conteúdo e, claro, as normas jurídicas emanadas da função legislativa.
Para o Professor Vasco Pereira da Silva, no antigo regime, estava-se perante mais um caso de “esquizofrenia” do antigo contencioso, uma vez que os requisitos para aplicação destes dois meios de impugnação eram diferentes e o âmbito de aplicação parecia sobreposto.

A reforma do Contencioso veio unificar os dois meios processuais num único regime.

Da análise do art. 73.º retira-se que impugnação de normas de que aqui se fala permite, por um lado, a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e, por outro, a declaração de ilegalidade com efeitos restritos ao caso concreto.

Assim, no n.º 1 do art. 73 do CPTA, permite-se a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral não se exigindo nenhum requisito especial em razão da legitimidade, apesar de ser requerida a prévia existência de três casos concretos em que a aplicação da norma tenha sido recusada por um tribunal. Requisito que não se aplica ao ministério público nos termos do n.º 3 do art. 73.º CPTA.
Desde já se nota a proximidade com o modelo de fiscalização de normas no processo constitucional.

Por fim, o n.º 2 deste artigo permite que a declaração de ilegalidade, apesar de só produzir efeitos no caso concreto, pode ter lugar quando se trate de uma norma jurídica imediatamente exequível, ou seja, não se exige a desaplicação da norma em três casos prévios quando a norma produza os seus efeitos imediatamente, sem depender de um acto administrativo.

De acordo com o n.º 2, parece que o Ministério Público se torna o principal responsável pela impugnação de normas jurídicas. Repare-se que, em relação ao antigo contencioso, este órgão vê as suas intervenções aumentadas, pois tanto pode impugnar normas com eficácia imediata como normas que dependam de um acto administrativo ou jurisdicional de execução, enquanto o actor popular e o particular ficam condicionados na sua actuação pois dependem sempre da desaplicação da norma em três casos concretos ou que a norma seja exequível por si mesma.
Compreende-se o aumento das intervenções do Ministério Público, uma vez que, ao desaplicar uma norma geral e abstracta, para além da defesa da legalidade, defende o interesse público. Resta saber, na linha do Professor Vasco Pereira da Silva, se estas regras diferenciadas não deveriam pelo menos conceder os mesmos poderes do Ministério Público ao actor popular.

O Professor vai mais longe e defende que se devia fazer uma interpretação correctiva do art. 73.º nº3. Uma vez que o actor popular e o particular têm precisamente as mesmas faculdades à luz do n.º 1 do art. 73.º do CPTA, não se percebe porque razão pode o actor popular solicitar ao Ministério Público a sua intervenção, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, podendo mesmo constituir-se como assistente, não correspondendo ao particular o mesmo direito, quando o primeiro não tem sequer nenhum interesse concreto apenas pretendendo a defesa da legalidade e do interesse público.

Concluindo, a reforma chegou mesmo, de certa forma, a dar um passo atrás em algumas matérias. Assim, defendemos que faria mais sentido aplicar o regime do artigo 73º nº1 do CPTA a todas as formas de impugnação de normas administrativas não tendo em conta o autor dessa impugnação.

João Reis, subturma 6

Sem comentários:

Enviar um comentário