segunda-feira, 3 de maio de 2010

Condenação à prática do acto devido

A consagração de uma acção de condenação da administração á prática de acto administrativo devido, art.66.º e sgts do CPTA enquanto modalidade da acção administrativa especial constitui uma das principais manifestações da mudança de paradigma na lógica do contencioso Administrativo que, ao passar da mera anulação para a plena jurisdição, deixa de estar limitado na sua tarefa de julgamento.

É na revisão de 1997 da Constituição de 1976 que se vai estabelecer de forma expressa que a possibilidade de “determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos” é uma componente essencial do princípio da tutela jurisdicional plena e efectiva dos actos dos particulares em face da administração, art.268/4 CRP.

O Prof. Sérvulo Correia entendia que estávamos perante um novo meio processual de natureza condenatória, criado directamente pelo legislador constituinte. Diferente posição defende o regente Prof. Vasco Pereira da Silva.

Existem 2 modalidades de acção administrativa especial de condenação á prática de acto devido, consoante esteja em causa a necessidade de obter a prática de um “acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado”(art.º 66/1CPTA). Modalidades estas de acção que correspondem aos 2 pedidos principais que podem ser suscitadas através de mecanismos processuais:
- o de condenação na emissão de acto administrativo omitido
- e o de condenação na produção de acto administrativo( de conteúdo) favorável ao particular, em substituição do acto desfavorável anteriormente praticado.
Segundo a visão do Prof. Vieira de Andrade o objecto do processo, isto é, o pedido (imediato) da acção de condenação é o que se destina a “obter a condenação da entidade competente á prática, dentro de determinado prazo, de um acto que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado” , e que o “acto devido” é aquele que deveria ter sido emitido e não foi, quer tenha havido uma pura omissão, quer tenha sido praticado um acto que não satisfaça a sua pretensão. O regente discorda com este autor considerando que esta posição não é susceptível de abarcar a integralidade do objecto da acção de condenação á prática do acto devido, além de se encontrar em desconformidade com as soluções legais.

O CPTA valoriza, o pedido mediato sobre o imediato, adoptando uma concepção ampla de objecto do processo. O art.º66/2, estabelece que tanto quando se está perante um caso de omissão ilegal como quando se trata de um caso de acto de conteúdo negativo “o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resulta directamente da pronúncia condenatória. De acordo com o art.º66/2 do CPTA, o objecto do processo nunca é o acto administrativo mas sim o direito do particular a uma determinada conduta da administração correspondente a uma vinculação legal de agir, ou de actuar de uma determinada maneira, isto é o objecto do processo corresponde á pretensão do interessado.

Do exposto podemos concluir que a condenação a prática do acto devido decorre do direito subjectivo do particular, que foi lesado pela omissão ou pela actuação ilegal da Administração, ou seja, o objecto do processo é o direito subjectivo do particular no quadro da concreta relação jurídica administrativa.

Na opinião do regente, retira-se do art.71/1 do CPTA a ideia de que o que está em causa na acção de condenação é o próprio direito de relação jurídica substantiva e não um qualquer acto existente, ou que devesse ter existido. Aqui o controlo do juiz é integral, o tribunal pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido. Esta norma é uma norma de realização do direito no caso concreto que procede a um alargamento dos poderes do tribunal.

O art.51/4 do CPTA, dá preferência a utilização da acção de condenação em vez da acção de impugnação. As sentenças de condenação na prática do acto administrativo devido podem apresentar conteúdos muito diferenciados, segundo o regente existem 2 modalidades principais de sentenças: aquelas que cominam à prática de um acto administrativo cujo conteúdo é determinado pela sentença e aqueles que cominam à prática de um acto administrativo, cujo conteúdo é relativamente indeterminado, na medida em que estão em causa escolhas que são da responsabilidade da Administração, mas em que o tribunal, deve indicar a “forma correcta” de exercício do poder discricionário, no caso concreto, estabelecendo o alcance e ao limites das vinculações legais, assim como fornecendo orientações quanto aos parâmetros e critérios de decisão. Diferentemente da posição do regente sustenta o Prof. Mário Aroso de Almeida que considera existirem 3 situações diferentes, no que respeita á natureza dos poderes administrativos a exercer, que podem dar origem às correspondentes modalidades de sentenças de condenação quanto ao conteúdo.

O regente e o Prof. Mário de Aroso de Almeida consideram que a introdução da possibilidade de se pedir a condenação judicial da Administração á prática de actos administrativos ilegalmente omitidos tem o alcance de fazer com que se deva entender que o art.109/1 do CPA é tacitamente derrogado na parte em que reconheça ao interessado “ a faculdade de presumir o respectivo meio legal de impugnação”, devendo passar a ser lido como se dissesse que a falta de decisão administrativa confere ao interessado a possibilidade de lançar mão do meio de tutela adequado.

O Prof. Mário Aroso de Almeida considera ainda que “ o deferimento tácito é um acto administrativo que resulta de uma presunção legal” logo “em situação de deferimento tácito, não há lugar para a propositura de uma acção de condenação á pratica do acto omitido, pelo simples motivo de que a produção desse acto já resultou da lei”.
O regente por sua vez não considera que o deferimento tácito seja um acto administrativo, nem que seja de afastar, a possibilidade de pedidos de condenação na prática de acto devido.
Sendo o deferimento tácito uma “ficção legal” de efeitos positivos, julga o Prof. não ser de afastar, a admissibilidade de pedidos de condenação em 2 situações:
- Na hipótese de deferimento tácito não corresponder integralmente às pretensões do particular
- E numa relação jurídica multilateral, ser favorável em relação a um ou alguns dos sujeitos.
Nestes casos em que não existe acto administrativo, mas existem efeitos desfavoráveis, relativamente ao requerente ou a outros sujeitos da relação multilateral, que essas mesmas partes alegam resultar de preterição de comportamentos devidos, a pedido adequado parece ser o de condenação, em acção administrativa especial.

Concluindo: a possibilidade de pedir a condenação imediata da Administração perante actos de conteúdo negativo constitui uma das mais importantes transformações introduzidas pela reforma do contencioso Administrativo no sentido de tutela plena e efectiva dos direitos particulares. Quanto a legitimidade das partes para apresentarem pedidos de condenação dispõe o art.68.º do CPTA que pode ser: os sujeitos privados, os sujeitos públicos e o Ministério público.
Relativamente a este último o regente considera que só e admitida a sua intervenção quando tenha sido emitido um acto administrativo de conteúdo negativo. Já os Profs. Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade consideram que quanto ao Ministério Público aplicava-se tanto nesses casos que o regente refere como quando estejam perante uma qualquer omissão administrativa, para estes autores o que releva são os requisitos da omissão juridicamente relevante.

Ana Cristina Oliveira
Nr15160, Subturma 6

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