sexta-feira, 21 de maio de 2010

O Regime Especial dos Recursos nos Processos Administrativos

De acordo com o art.140 CPTA, os recursos jurisdicionais no processo administrativo regem-se pelo CPC, com as necessárias adaptações e processam-se como os recursos de agravo, sem prejuízo das especialidades decorrentes da legislação sobre o contencioso administrativo.
A legitimidade para recorrer de uma decisão é atribuída, a quem nela tenha ficado vencido. A especialidade do processo administrativo manifesta-se na impugnação de actos e consiste em dar relevância á possibilidade de renovação do acto anulado para apuramento do conceito de vencido ou da admissibilidade do recurso parcial relativamente ás sentenças anulatórias. Assim considera-se vencido o autor que não vi reconhecida pela sentença anulatória uma causa de invalidade que impeça a renovação do acto, tal como se admite um recurso parcial da sentença, se a procedência da parte em que a sentença é recorrida é suficiente para excluir tal renovação, art.141/2 e 3 CPTA. Aqui, está em causa a relevância dos fundamentos da sentença anulatória, que é característica dos processos administrativos de impugnação de acto (a solução é a que a doutrina tem considerado correcta, embora fosse mais adequado tratar a propósito do interesse em agir do que da legitimidade).
O papel do Ministério Público surge revigorado em matéria de recursos. Para além da legitimidade para a interposição do recurso “se a decisão tiver sido proferida com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais”, art.141/1 do CPTA, ou seja, sempre que esteja em causa a defesa da legalidade; o Ministério Público é notificado para intervir no processo emitindo parecer sobre o mérito dos recursos interpostos pelas partes, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos e interesses públicos especialmente relevantes ou valores comunitários constitucionalmente protegidos, art.146/1 do CPTA. Saliente-se que são-lhe reconhecidas essas faculdades de iniciativa e de intervenção consultiva nos recursos de sentenças proferidas em quaisquer acções, inclusivamente nas acções administrativas comuns, em que não teve intervenção na primeira instância.
A interposição dos recursos administrativos tem efeito suspensivo da decisão recorrida, a não ser que lei especial disponha diversamente, art.143/1 do CPTA. O artigo refere-se a todos os processos, com se verifica no seu nº2, ao determinar que os recursos interpostos de decisões respeitantes a providências cautelares, além dos interpostos contra intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias, têm efeito meramente devolutivo. Mas a lei não se limita a uma regulação abstracta da matéria e, á semelhança do que determina a propósito das providências cautelares, estabelece uma regulação complexa destinada a assegurar o equilíbrio dos interesses em presença. Por um lado, admite que o tribunal possa, a requerimento do interessado, atribuir efeito meramente devolutivo ao recurso, quando a suspensão dos efeitos da sentença recorrida possa causar uma situação de facto consumado ou de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados por ela prosseguidos, art.143/3. Por outro lado, obriga o tribunal a uma ponderação dos interesses das partes, quando a atribuição de efeito meramente devolutivo também possa causar danos: pode impor providências destinadas a evitar ou minorar esses danos ou impor garantias da efectivação da eventual responsabilidade por eles, art.143/4; deve mesmo recusar o efeito meramente devolutivo, quando tal cause prejuízos superiores aos que resultem da suspensão, que não possam ser prevenidos ou minorados com providências adequadas, art.143/4.
Uma regra processual de enorme importância prática é o da obrigatoriedade do convite do tribunal ao recorrente para aperfeiçoamento das alegações de recurso, quando, em processo impugnatório ele se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao acto impugnado, sem formular claramente as ilegalidades que imputa à decisão judicial, art.146/3 do CPTA.
No que respeita á tramitação, antes interpunha-se primeiro o recurso num prazo muito curto e aguardava-se a respectiva admissão para apresentar as alegações; agora, estabelece-se um prazo de 30 dias para a interposição do recuso, devendo o requerimento incluir ou juntar logo as alegações, art.144/1 e 2 do CPTA.
A lei não é clara ao prever no art.145 do CPTA, que, recebido ao requerimento, a secretaria promove oficiosamente a notificação do recorrido para contra-alegações, recebidas as quais o recurso sobe ao tribunal ad quem. Pode parecer que o despacho judicial de admissão de recurso a que se refere o art.144 do CPTA, seria proferido pelo juiz do juiz do tribunal superior, mas tal solução iria contra o art.687/3 do CPC. A questão deve ser resolvida no sentido de que o despacho de admissão deve ser proferido pelo juiz ad quo, nos termos da lei processual civil, devendo a secretaria apresentar-lhe o processo concluso para esse efeito depois de recebidas as contra-alegações.
Na fase de julgamento, seja no TCA, seja no STA, permite a lei que o Presidente do tribunal determine o julgamento ampliado do recurso, com intervenção de todos os juízes de secção, quando tal se revele necessário para a uniformização da jurisprudência, designadamente quando se verifique a possibilidade de vencimento de uma solução contrária à jurisprudência firmada sobre uma questão processual de direito, caso em que pode ser requerido pelas partes e deve ser proposto pelo relator, art.148 do CPTA.
Por fim há que considerar os problemas do âmbito do julgamento do recurso e dos poderes do tribunal superior, designadamente nos recursos de apelação. Nas decisões de recurso jurisdicionais, o tribunal superior, além de declarar a nulidade da sentença recorrida, se esta tiver vícios, pode confirmá-la, ou então revogá-la, com fundamento em erro de julgamento. O CPTA parece, no entanto afirmar como, ideia central, a de que, seja qual for o processo, o tribunal de recurso não se limita a cassar a sentença recorrida: ainda que declare nula a sentença, não deixa de decidir sobre o objecto da causa. Daqui resulta que os recursos no processo administrativo são de natureza substitutiva e não meramente cassatórios. Fica no entanto a dúvida sobre se essa referência à “decisão sobre o objecto da causa” não deve ser interpretada no sentido de que os recursos jurisdicionais passam a ser, em princípio recursos de reexame e não puros recursos de reponderação.
O problema põe-se, em primeiro lugar, relativamente aos recursos ordinários comuns em face do regime legal. Nos termos da lei, o tribunal ad quem conhece do facto e do direito, art. 149/1 do CPTA, e pode ordenar a produção da prova. Determina ainda a lei que, mesmo que o tribunal recorrido, tenha julgado o mérito da causa, não tenha conhecido algumas das questões suscitadas pelas partes, o tribunal superior, se for caso disso, poderá conhecer delas no mesmo acórdão que revoga a decisão recorrida, art. 149/3. E esse poder de conhecimento e de decisão do tribunal de recurso existe ainda que a decisão não tenha sequer conhecido do pedido, p.e, por falta de pressupostos processuais ou elementos essências da causa: o tribunal ad quem também pode julgar a questão, art.149/4. Este regime ao permitir ao tribunal de recurso conhecer pela primeira e única vez uma questão suscitada no processo, levanta algumas dúvidas na medida em que afecta o direito das partes ao recurso. A opção legal baseia-se na convicção de que a Constituição não garante em todos os casos o direito ao recurso, bem como na ideia de que o recurso visa fundamentalmente obter a apreciação do caso por um tribunal superior. Porém o recurso visa também uma reapreciação por uma instância diferente e apesar de a Constituição não consagrar o direito ao recurso como dupla apreciação, este há-de ser plenamente garantido em determinados casos, designadamente quando estejam em causa direitos, liberdades e garantias dos cidadãos ou em matéria sancionatória.
Perante as regras explicitadas na lei, poderá entender-se, em consequência, que o tribunal de apelação tem, em princípio os mesmos poderes que o tribunal da primeira instância. Há no entanto, várias questões difíceis a resolver no que respeita à delimitação do objecto do recurso, sobretudo nos casos de pluralidade de fundamentos da acção. Nos termos gerais do CPC, forma-se caso julgado quanto à parte da sentença não recorrida, art.684/4 do CPC. Deve, no entanto, entender-se no âmbito do recurso de acordo com o princípio do favorecimento do processo, seja no que respeita à petição dos recorrentes, seja no que respeita às contra-alegações dos recorridos. Deste modo, tem de admitir-se a possibilidade do recorrido, preventivamente, requerer a ampliação do recurso à parte da sentença em que decaiu, além de arguir a nulidade da sentença ou impugnar pontos da matéria de facto que o recorrente não tenha impugnado, art.684-A do CPC. Acresce ainda que as normas relativas à delimitação do recurso e ao ónus de impugnação, mesmo no recurso de reponderação, não prejudicam os poderes gerais do conhecimento oficioso do tribunal: assim, por um lado, parece-nos que o tribunal de recurso deveria poder conhecer oficiosamente excepções, por falta de pressupostos processuais ou de elementos essenciais da causa, quando não tenham sido decididas em tempo pelo tribunal recorrido, salvo se o despacho saneador tiver conhecimento da excepção, caso em que tem de haver recurso de tal despacho; por outro lado, parece que o poder-dever do tribunal de, nos processos de impugnação de actos, conhecer oficiosamente de todas as causas de invalidado acto, mesmo que não alegadas, art.95/2 do CPTA, persistirá no recurso, sendo, por isso, admissível, nessa medida, a anulação com fundamentos diversos dos alegados, em termos que podem revelar-se desfavoráveis ao próprio recorrente; além disso, havendo reexame da causa e não apenas da sentença, o tribunal superior poderá atender às alterações de facto e de direito entretanto ocorridas, desde de tal actualidade seja relevante para a decisão do litígio; quanto ao conhecimento da matéria de facto, o tribunal superior deverá utilizar com alguma contenção os poderes relativos à produção da prova, de modo que esta não deva fazer-se em recurso, quando seja necessária a elaboração de uma nova base instrutória, por estar implicada uma matéria controvertida de grande complexidade (o tribunal não está limitado às diligências que sejam necessárias para tomar posição às questões de direito que o tribunal recorrido não decidiu, na medida em que pode conhecer factos novos sobre as questões que tenham sido decididas); por fim, deve aceitar-se que o tribunal de recurso dispõe, tal como o tribunal de primeira instância e em consonância com as características próprias do processo de recurso, de poderes cautelares, designadamente no que toca à alteração e revogação das providências adoptadas, art.124/3 do CPTA, mas também para revisão de decisões de rejeição ou para conhecimento de pedidos apresentados pela primeira vez. Estas normas valem também, com as necessárias adaptações, para os restantes tipos de recursos ordinários. Desde logo, para o recurso de revista, tendo em consideração que, por definição, apenas se conhecem questões de direito. Aí, perante os factos fixados pelo tribunal recorrido, o STA, enquanto tribunal de revista, estabelece definitivamente o regime jurídico adequado ao caso, art.150/3 do CPTA. O mesmo acontece, quando a revista é per saltum, pois nessas hipóteses trata-se afinal de uma decisão 2ª instância (uma apelação) com a particularidade de que as únicas questões suscitadas pelas partes no recurso são de questões de direito. Da mesma forma, no recurso para uniformização da jurisprudência, a decisão de provimento, além de anular a sentença recorrida, substitui-a, decidindo a questão controvertida, art.152/6 do CPTA. Nos restantes processos, e, em geral, naquilo em que não haja uma norma processual administrativa especial, aplica-se o disposto no CPC, que confere ao recurso um alcance mais restritivo e ao tribunal poderes mais limitados, designadamente no caso de pluralidade de fundamentos.

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