sexta-feira, 21 de maio de 2010

A Legitimidade no Contencioso Administrativo

No Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos encontramos disposições referentes aos pressupostos processuais específicos do Contencioso Administrativo, e comuns a todos os meios processuais, designadamente a legitimidade (artigos 9.º e seguintes), o patrocínio judiciário (artigo 11.º) e a competência do tribunal (artigos 13.º e seguintes).
No que diz respeito à legitimidade, esta é, do ponto de vista da teoria do processo, o elo de ligação entre a relação jurídica substantiva e a processual, destinando-se a trazer a juízo os titulares da relação material controvertida, com a finalidade de dar sentido útil às decisões dos tribunais.
O Código contém ainda uma Subsecção II (Da Legitimidade), a propósito da acção administrativa especial qualificada em razão do pedido de impugnação, onde se estabelece um regime especial onde se encontram regras relativas à legitimidade activa (artigo 55.º) e aos contra-interessados (artigo 57.º), para além da questão da aceitação do acto (artigo 56.º).
À luz do artigo 55.º podemos elencar como categorias de actores processuais, os sujeitos privados onde o que está em causa é o exercício do direito de acção por privados, que actuam para defesa de interesses próprios, mediante a alegação da titularidade de posições subjectivas de vantagem e que podem ser, os indivíduos que possuem um interesse directo e pessoal na demanda (55.º n.º 1, alínea a), o qual resulta da alegação da titularidade de um direito subjectivo (9.º n.º1). Deste modo, gozam da acção para defesa de interesses próprios todos os indivíduos que possam alegar a titularidade de posições jurídicas de vantagem, ou a qualidade de parte na relação material controvertida. Actuam também como sujeitos privados, as pessoas colectivas privadas (55.º nº 2, alínea b), que são entidades ficcionadas para efeitos jurídicos, mas que são dotadas de direitos e de deveres, tal como os indivíduos. Estas entidades encontram-se sujeitas ao princípio da especialidade, pelo que apenas “gozam dos direitos e estão submetidas aos deveres compatíveis com a sua natureza (12.º n.º2 CRP).
Outra categoria de actores processuais são os sujeitos públicos (55.º n.º 2, alíneas b) e e) sendo de incluir nesta categoria tanto as pessoas colectivas públicas como os órgãos administrativos, tanto mais que o legislador faz uma referência expressa às relações jurídicas interpessoais e interorgânicas.
Quanto ao actor popular, a lei parece considerar duas modalidades de acção popular, uma genérica (55.º n.º 1, alínea f), que remete para o artigo 9.º n.º 2, e que engloba particulares e pessoas colectivas actuando, de forma objectiva, para a defesa da legalidade e do interesse público, independentemente de possuírem interesse directo na demanda; outra de âmbito autárquico (55.º nº 2), segundo a qual “a qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, é permitido impugnar as deliberações adoptadas por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado”.
O Ministério Público, é titular do direito de acção pública também no Contencioso Administrativo, cabendo-lhe actuar, a título institucional, para a defesa da legalidade e do interesse público.
Também o artigo 57.º se refere à legitimidade, qualificando como sujeitos processuais os particulares dotados de legítimo interesse na manutenção do acto administrativo ou, dito de outro modo, aqueles que são directamente prejudicados pelo provimento do pedido de impugnação. Estes particulares são verdadeiros sujeitos de relações jurídicas administrativas multilaterais, as quais para da Administração e dos destinatários imediatos da actuação administrativa em causa, dão origem a uma rede de ligações jurídicas entre múltiplos sujeitos, quer do lado activo, quer do lado passivo, que são titulares de posições de vantagem juridicamente protegidas, pelo que devem gozar dos correspondentes poderes processuais.
Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, ao se considerar que, nos processos de impugnação, os sujeitos das relações multilaterais, com interesses coincidentes com os da autoridade autora do acto administrativo, são obrigatoriamente chamados a intervir no processo, o CPTA está a abrir o Contencioso Administrativo à protecção desses direitos impropriamente chamados de “terceiros”. No entanto, ao mesmo tempo, ao adoptar a designação tradicional de contra-interessados, que é vincada pela lógica bilateralista clássica de não definir de modo rigoroso qual o seu efectivo papel no processo, o legislador relega tal intervenção para o lado passivo, numa posição secundarizada em face da Administração.
Na opinião do digníssimo Professor, o novo paradigma das relações administrativas multilaterais no Direito Administrativo implica revalorização da posição dos designados “terceiros” no Contencioso Administrativo, como sujeitos principais dotados de legitimidade activa e passiva.
Há ainda a salientar que a aceitação do acto administrativo (artigo 56.º), surge regulada ao lado das questões de legitimidade, quando, em rigor, se trata de algo totalmente diferente.
Afastando os pressupostos objectivistas e delimitando-se a legitimidade processual em razão da alegação da titularidade de direitos, parece não fazer sentido continuar a reconduzir a aceitação do acto a uma questão de legitimidade. Pelo que, existem duas opções, ou se considera que a aceitação do acto administrativo constitui um pressuposto processual autónomo, diferente da legitimidade e do interesse em agir (posição defendida por Vieira de Andrade), ou se reconduz tal aceitação à falta de interesse processual. De acordo com o Professor Vasco Pereira da Silva, não há vantagens em autonomizar a aceitação como pressuposto autónomo, sendo mais adequada a recondução da questão ao interesse em agir, em termos similares aos do processo civil.
Posto isto, há que reconhecer que, como diz o Professor Vasco Pereira da Silva, ainda existem alguns “traumas de infância” no Contencioso Administrativo, mesmo após a reforma, para os quais ainda a doutrina procura uma solução que melhor defenda a posição dos particulares em face da Administração.

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