sexta-feira, 21 de maio de 2010

Do objecto na acção administrativa comum

No artigo 32º nº2 do CPTA faz-se o enunciado das causas que seguem a forma da acção administrativa comum - sem carácter fechado – sendo que, na eventualidade de não serem preenchidas qualquer das alíneas enumeradas neste artigo não deve por isso obstar ao seguimento de uma acção administrativa comum.

O autor na petição inicial não necessita de se preocupar com a correcta subsunção do caso em qualquer dos tipos de pretensões alinhados no nº 2 deste artigo visto seguirem todos o mesmo regime processual sendo apenas variável em função do valor da causa e não em função do tipo ou objecto do litígio.

Estas alíneas do artigo podem ser propostas por particulares contra a Administração bem como desta contra aqueles – e muitas delas até podem correr entre dois particulares.

Vamos agora proceder a uma apreciação pormenorizada de cada uma das alíneas:

a) Reconhecimento de situações jurídicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurídico – administrativas ou de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo;

Nesta alínea lida-se com as acções para o reconhecimento de situações subjectivas cujo objecto ou pretensão seja o reconhecimento de uma situação jurídica subjectiva e pessoal com vista a, por exemplo, evitar comportamentos lesivos futuros da Administração ou a eliminar situações de incerteza.
Para que se possa afirmar que uma situação jurídica decorre directamente de uma norma administrativa parecer necessário a verificação de dois requisitos:

1) A situação que se pretende ver reconhecida ter de se encontrar definida na norma em causa, mesmo de forma genérica, não carecendo a sua efectivação de qualquer juízo valorativo próprio do exercício da função administrativa;

2) O reconhecimento da situação em causa não estar sujeito a decisão administrativa prévia.
Deste modo, a acção de reconhecimento só pode ser instaurada, salvo casos excepcionais, para fazer declarar judicialmente a existência de uma situação ilícita dando assim como violado um direito ou interesse legalmente protegido, exigindo-se portanto neste caso o interesse do lesado no restabelecimento da situação ou na condenação do infractor ao pagamento de uma indemnização (etc.) mediante a instauração de uma acção de condenação.


b) Reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições;

Valem para estas acções de reconhecimento as que atrás foram enunciadas a propósito da alínea a) bem como aquelas que têm por objecto o “reconhecimento de qualidades” respeitantes á qualidade, situação ou estatuto jurídico-administrativo de pessoas, e do estatuto de bens, como por exemplo, a pretensão ao reconhecimento da qualidade dominial ou não dominial de um terreno ou á classificação de um edifício como sendo de interesse público.


c) Condenação á adopção ou abstenção de comportamentos, designadamente a condenação da Administração á não emissão de um acto administrativo, quando seja provável a emissão de um acto lesivo;

Estão aqui em causa as acções “mandamentais”.
O que caracteriza este tipo de acções administrativas é o facto de o juiz em vez de se limitar a condenar o demandado, emitir uma verdadeira ordem de conteúdo positivo ou negativo obrigando-o a adoptar o comportamento concretamente devido que vem enunciado na sentença.
Se a ordem tiver conteúdo positivo, a sentença dir-se-á impositiva; se tiver conteúdo negativo, dir-se-á inibitória.
Cabe também no âmbito da previsão legal, em princípio, a condenação da Administração na adopção ou abstenção de certos actos jurídicos caracterizados pela ausência de “conteúdo regulador” como sucede com os actos meramente declarativos.

Novo entre nós é o caso de se pedir ao tribunal a condenação da Administração á não emissão de um acto administrativo, quando seja provável a sua prática.

Neste caso, entende-se que o tribunal só poderá condenar a Administração a abster-se de praticar um acto administrativo com certo conteúdo, com certo efeito, quando se trate de um acto (abstracta ou concretamente) proibido, como por exemplo:

1) No caso de a medida ou efeito administrativo não estar legalmente previsto como possível;

2) No caso de estar expressamente proibido;

3) Ou no caso de a lei “conferir ao particular o direito a uma abstenção relativamente a uma determinada actuação administrativa”, VIEIRA DE ANDRADE, A justiça Administrativa, página 184;

4) Ou no caso de os pressupostos legais da prática do acto não poderem, seguramente, vir a verificar-se em concreto.
A sentença inibitória deve especificar que o acto administrativo é que a Administração fica proibida de adoptar, qual o seu conteúdo concreto ou então indicar em que circunstâncias opera o seu efeito inibitório, para que se possa saber qual o âmbito do caso julgado.


d) Condenação da Administração á adopção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados;

A acção de restabelecimento corresponde aqui á obrigação ou dever substantivo em que a Administração fica constituída, por causa de actuação ilegais suas de reconstruir a situação actual hipotética e pode ter na sua base uma pretensão de afastamento da lesão ou uma pretensão restitutiva.


e) Condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que directamente decorram de normas jurídico – administrativas e não envolva a emissão de um acto administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que podem ter por objecto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto;

Reporta-se às acções instauradas com vista á condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestação, deveres obrigacionais, típicos da Administração constitutiva ou de prestações.
É neste segmento que se encontra a “pedra de toque da delimitação do campo de intervenção da forma da acção administrativa comum perante a acção administrativa especial”, nas palavras de AROSO DE ALMEIDA, uma vez que a prestação pretendida só é realizável e obtida mediante a prática de um verdadeiro acto administrativo. Primeira haverá que interpelar a Administração para o efeito, e depois, em caso de insucesso, lançar mão da acção administrativa especial (de condenação).


f) Responsabilidade civil das pessoas colectivas, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, incluindo acções de regresso;

Esta responsabilidade deriva de actos lícitos ou ilícitos que se fundam, ou na anormalidade e especialidade dos prejuízos verificados ou que estejam no domínio da gestão pública ou privada da Administração.


g) Condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões de interesse público;

Trata-se de pretensões relativas á indemnização devida pela imposição legítima de um sacrifício fundada em razões de interesse público, sendo que neste caso há um dever de indemnizar independentemente de qualquer responsabilidade extracontratual.


h) Interpretação, validade ou execução de contrato;

Sujeita-se ao regime da acção administrativa comum as acções respeitantes á interpretação, validade e execução (bem como á existência, modificação, extinção e responsabilidade derivada) de contratos afectos á jurisdição administrativa, nos termos das alíneas b), e) e f) do artigo 4º/1 do ETAF.


i) Enriquecimento sem causa;

Trata-se das acções que tenham por objecto pretensões restitutivas (em espécie ou por equivalente pecuniário) derivadas de situações de enriquecimento sem causa.
Um caso em que se poderia aplicar esta alínea seria por exemplo o enriquecimento sem causa derivado da invalidade de contratos privados que estejam sujeitos á jurisdição administrativa por força do artigo 4º nº1 do ETAF. É que de outro modo, nem se poderia cumular o pedido de invalidade do contrato com o da restituição por tal enriquecimento.


j) Relações jurídicas entre entidades administrativas;

Aqui o legislador delimitou acção administrativa comum em função da natureza dos litigantes. Assim, se uma Administração pretender a condenação de outra num dever de prestar, há que averiguar se esse dever tem como fundamento uma relação jurídica - administrativa, porque, caso contrário – fundando-se num título ou numa relação jurídico - privada - o litígio não é dirimível no seio da jurisdição administrativa.


Concluindo, e ao contrário desta última alínea, o legislador ao longo das primeiras nove alíneas deste artigo se reportou ao tipo de pretensão material dedutível delimitando o âmbito da acção administrativa comum em função de critérios objectivos.
Os pedidos ou pretensões destas alíneas são cumuláveis uns com os outros.

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