terça-feira, 4 de maio de 2010

Condenação à prática de acto devido

A possibilidade de haver uma condenação da administração à prática de acto devido surge no âmbito do artigo 268º/4 CRP, introduzido na revisão constitucional de 1997, que no âmbito da garantia da tutela judicial efectiva dos direitos dos particulares haveria de estar também “ a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”; sendo, no entanto, esta uma das hipóteses abertas pela Constituição, entre outras como a sentença substitutiva.
Em termos de objecto, o pedido em causa serve para “obter a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um acto administrativo que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado”, é o que nos diz o artigo 66º do CPTA.
Neste sentido, acto “devido” será um acto administrativo ( apesar de a epígrafe referir apenas acto, estamos a falar de só de actos administrativos, como se refere o nº2 do 66º e também artigos 2º/2 i) e 46º/1 e 2 b)) que, no entender de quem propõe a acção, deveria ter sido praticado e não foi, seja por omissão seja por acção, no caso de recusa; ou seja ainda nos casos em que o acto foi praticado mas não o satisfez, embora nesta última hipótese com algumas especificidades. No entanto, temos que ter em consideração que este acto devido, não tem de ser um acto vinculado perante a lei, em que a administração não faz mais do que atestar que se consideram preenchidos os requisitos previstos na lei para praticar o acto; estão também aqui em causa actos discricionários, desde que, no caso concreto, a sua emissão seja obrigatória. Esta ideia retira-se do disposto no artigo 71º referente aos poderes de pronúncia do tribunal, senão vejamos : o nº1 deste artigo refere a hipótese de o tribunal se “pronunciar sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do acto devido”, “ ainda que o requerimento não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada”; relativamente aos actos vinculados não haverá dúvida, quanto aos actos discricionários, o nº2 dá a resposta “actos que envolvam a formulação de valorações próprias do exercícios da função administrativa"(refere-se a actos discricionários) "e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível", sendo que neste tipo de actos o tribunal " não pode determinar o conteúdo do acto a praticar", devendo, no entanto, "explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido". Estamos, aqui, mesmo no limite do principio da separação de poderes, mas tem-se entendido, que não haverá qualquer violação deste principio se apesar de limitar, o tribunal deixar mais que uma opção à administração.
Outra questão será a de saber se o acto tem de ser legalmente devido, ou poderá abarcar também os actos devidos por efeito de contrato ou de sentença, por exemplo. Tem-se entendido que a acepção de “legal” deve ter-se em sentido amplo, como abrangendo todos os casos em que há uma contrariedade à ordem jurídica, na recusa ou omissão de um acto. Assim tanto contam os casos em que a prática se deve a um imperativo constitucional ou internacional, como os casos em que a sua imposição se deve à prática de actos anteriores; quanto às situações dos contratos, e à semelhança do que se passa na impugnação autónoma dos actos administrativos relativos à execução de contratos, também devem seguir na acção administrativa especial os pedidos de condenação à prática de actos contratualmente devidos.
Posto isto, e explicitado qual o objecto desta pretensão, cabe analisar os seus pressupostos. Desta matéria trata o artigo 67º CPTA, em que parece exigir-se sempre um procedimento prévio, que se traduz na apresentação de um requerimento dirigido ao orgão competente, com a pretensão de obter a prática de um acto administrativo ( nº1 a), 1ªparte). Depois, seguem-se três situações distintas previstas nas alíneas do nº1:
a) Omissão da prática do acto requerido no prazo legalmente estabelecido para a decisão ( sem prejuízo das situações em que há, por exemplo, deferimento /indeferimento tácito – artigos 108º e 109º);
b) Recusa da prática do acto devido ( indeferimento expresso);
c) Recusa de apreciação do requerimento ( casos em que a administração se nega a sequer apreciar substancialmente o pedido, podendo esta recusa fundar-se em razões formais ou competenciais, ou até por achar que tinha a opção de não apreciar o pedido por não se tratar de um verdadeiro requerimento, mas sim de uma reclamação, por exemplo; ou pode ainda achar que não tem dever de decisão e estamos perante um caso de 9º/2CPA).
Pergunta-se, a propósito destes pressupostos se terá que se interpelar sempre a administração para a emissão de um acto administrativo, mesmo quando estamos perante um acto cuja prática seja directamente imposta pela lei? Entende, nomeadamente o Professor Aroso de Almeida que nos casos, por exemplo, de acção pública não será necessário esse requerimento prévio, contudo, deve haver pelo menos a comprovação de um atraso manifesto ou desrazoável no cumprimento da lei, embora não se pronuncie sobre a comprovação da omissão.
Relativamente à questão da legitimidade, não cabe falar aqui, visto já ter sido analisada a propósito do tema especifico da legitimidade processual em geral, estando prevista no artigo 68º CPTA.
Já quanto aos prazos, há que distinguir duas situações: se houve inércia do orgão ou deferimento (artigo 69º). No primeiro caso, o prazo é de um ano, a contar desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto (não havendo regra especial, aplicam-se as regras supletivas do CPA, que referem o prazo de 90 dias úteis – artigo 58º); no caso de indeferimento, o prazo é de três meses, à semelhança do prazo para impugnação dos actos, o que faz todo o sentido, já que o indeferimento constitui um acto administrativo. De resto, e apesar de não ser previsto o caso de recusa de apreciação, admite-se que lhe seja atribuído o prazo de um ano, já que não há indeferimento, e por isso, não há acto administrativo; ou em alternativa dar ao particular a possibilidade de apresentar um novo requerimento sem o obstáculo do 9º/2 do CPA, sem ter que esperar dois anos, porque não houve decisão de fundo.
Concluindo, a condenação na prática de acto devido, é uma feliz evolução no mundo do contencioso administrativo, na medida em que elimina de forma automática o acto praticado da ordem jurídica, se tiver sido praticado; resolve, desde logo, a questão de fundo levada a juízo pelo autor, e simultâneamente estabelece o prazo em que deve ter lugar a pronúncia administrativa, identificando o orgão competente para a realizar. Ainda a titulo de controlo da sentença que condena na prática do acto devido, pode o tribunal, se entender que se justifica determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias para prevenir o incumprimento ( artigo 66º nº3), e utilizar o processo de execução de sentenças, donde pode ser produzida uma sentença substitutiva do acto, mas só nos casos em que se tratar de um acto vinculado (artigo 167º/6); já que se estivermos perante um acto discricionário a condenação será sempre genérica ( nº2 do artigo 71º).

1 comentário:

  1. O pedido de condenação da Administração à prática do acto devido dá concretização ao preceito constitucional 268º, nº4, introduzido pela revisão de 1997, que garante aos administrativos tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos.
    Conforme cita o Professor Viera de Andrade, a construção de uma acção condenatória deve ser vista como uma opção do legislador, uma vez que era apenas uma das possibilidades abertas pela nossa CRP, pois a"determinação" mencionada no art.268º, nº4, contemplava ainda outras soluções de concretização, nomeadamente, a de uma pronúncia judicial declarativa (como a adoptada pelo direito comunitário para a omissão estadual) ou a de uma sentença substitutiva.

    Uma das questões mais suscitadas é a de saber qual é o "acto devido", ou seja, qual o objecto deste pedido de condenação da Administração. A resposta é-nos dada pelo art.66º do CPTA, assim, acto devido é todo o acto administrativo que devia ter sido emitido e não foi. Pese embora, a epígrafe mencionar apenas "acto", o Professor Viera de Andrade entende que não restam dúvidas de que se trata somente de actos administrativos.

    Outra questão também suscitada é a de saber se o acto devido, tal como é configurado pelo próprio CPTA, abrange apenas o acto estritamente vinculado perante a lei, ou se, antes pelo contrário, poderá abranger momentos discrionários. O Professor Viera de Andrade opta pela segunda opção, salvaguardando a exigência da sua emissão ser legalmente obrigatória no caso concreto.

    O art.67º do CPTA elenca todos os pressupostos necessários para que prossiga o pedido de condenação à prática do acto devido. Já o art.68º do CPTA diz-nos quem goza de legitimidade activa e passiva. E o art.69º enuncia os prazos de propositura da acção que vai desde três meses a um ano.

    Em bom rigor, partilho da opinião manisfestado pela colega Critiana Dias, quando refere que a condenação à prática do acto devido "é uma feliz evolução no mundo do contencioso adminstrativo". Pois, o mesmo acarreta a eliminação automática do acto praticado. Resolvendo, deste modo, a questão de fundo trazida a juízo pelo autor. Atente-se ainda, na garantia, na tutela e na segurança que o art.66º, nº3 do CPTA confere ao autor, dado que se o tribunal assim o entender, poderá determinar logo na sentença condenatória a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias ao titular do órgão em falta, salvaguardando o incumprimento. No meu entender este artigo revela-se de uma enorme importância, na medida em que evidencia a concretização que o legislador quis incutir no pedido de condenação da administração à prática do acto devido. Até porque este se revela, em muitas situações, a verdadeira e única pretensão do autor, ou seja, a intenção que o move ao intentar uma acção nos tribunais administrativos.

    Inês Mendonça. Subturma6, nº16646

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