sexta-feira, 21 de maio de 2010

A importância da Constituição da Republica Portuguesa no regime do Contecioso Administrativo

A importância da Constituição da República Portuguesa no regime do Contencioso Administrativo

Actualmente pode afirmar-se que o Direito Constitucional e o Direito Administrativo estão interligados e em situação de dependência recíproca. No entanto, tal como diz o Prof. Vasco Pereira da Silva a relação entre eles nunca foi fácil, vivendo de muitas desavenças, mesmo quando “não podiam passar um sem o outro”.
Como qualquer outro ramo do Direito, o Direito Administrativo depende do Direito Constitucional porque a Constituição se encontra no topo do ordenamento jurídico, no entanto, isso seria reduzir o problema a uma mera questão formal. Torna-se indispensável a cooperação frutuosa entre a doutrina constitucional e a doutrina administrativa, pois o “direito administrativo actual existe, modifica-se e desaparece, tanto em sentido formal como em sentido material, em conjugação com – e indissocialmente ligado ao – Direito Constitucional”
O Processo administrativo encontra-se ligado à Constituição por um “cordão umbilical”. A nossa Constituição para além de estabelecer as opções fundamentais em matéria de organização, de funcionamento, de procedimento e de actuação da Administração Publica, também inclui regras quanto à natureza e à organização dos tribunais competentes para o julgamento dos litígios administrativos, quanto aos direitos fundamentais dos cidadãos em matéria de processo, quanto à função e estrutura dos processos, quanto aos poderes do juiz.
Em todas as CRP se encontram normas (seja no âmbito dos direitos fundamentais, seja no das competências dos titulares dos órgãos do Estado, seja a propósito dos actos normativos da Administração local ou da função publica) que não podem deixar de ser, simultaneamente, verdadeiras e próprias normas Constitucionais e Princípios Fundamentais de Direito Administrativo.
E, se houve ou continua a haver normas constitucionais não efectivadas na organização e na disciplina da actividade administrativa, a médio ou a longo prazo, os avanços e recuos de um e de outro acabam por ser absorvidos através da prática, da jurisprudência e da construção dogmática dos juristas. A unidade dinâmica do ordenamento jurídico tem acabado, de um jeito ou de outro, por prevalecer.
Desenvolvido a partir de uma ordem jurisdicional própria, a jurisdição administrativa prossegue como um dos seus objectivos funcionais a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, por força de uma garantia constitucional análoga a direitos, liberdades e garantias – art. 20º e 208º, nº4 e 5 CRP.
O nº2 do art. 2º do CPTA plasma um principio geral do processo administrativo, o proclamado na CRP. Assim, quando o artigo do CPTA proclama que “a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”, o individuo não é apenas alvo do exercício do poder público, mas sim uma pessoa titular de situações jurídicas activas. E a estas situações presidem valores materiais moderadores como os da justiça e da proporcionalidade.
Com grande relevância para o Contencioso Administrativo são os artigos 20 e 268.4 e 5. Estes artigos consagram o principio da jurisdicionalidade.
Significa que, em geral, ninguém esta sujeito a aceitar como factualmente irreversível as decisões da administração, favoráveis ou desfavoráveis, que toquem na sua esfera jurídica. Só a decisão jurisdicional possuirá, por principio, a virtude de estabelecer definitiva e irreversivelmente o “que é de Direito para o particular em cada situação administrativa concreta”. A irreversibilidade caracteriza os actos de natureza jurisdicional.
Segundo o texto constitucional, o principio da jurisdicionalidade abrange não só os actores definidores de direito das situações individuais e concretas (actos e contratos administrativos), mas também – claramente a partir da revisão de 1997 – os actos de conteúdo geral e abstracto, isto é, os regulamentos (art. 268.5 CRP).
Além da consagração deste principio consagram, ainda, o principio da efectividade da tutela jurisdicional dos direitos e interesses dos particulares.

Estes princípios geram várias conseqüências no âmbito do contencioso administrativo. Sendo assim:

A primeira consequência normativa deste principio envolve a previsão legislativa dos meios processuais suficientes para a protecção dos direitos e interesses dos particulares postos em causa por actos ou competências da Administração. O que significa, desde lodo, que o particular tem de dispor de meios de defesa subjectivos – e, não, unicamente de meios para a protecção da legalidade objectiva. O particular pode recorrer aos tribunais agindo pro damo sua e não só em favor do interesse geral, tendo a certeza de que a decisão jurisdicional também fará caso julgado em relação aos seus direitos e interesses subjectivos.
A segunda consequência determina que o processo contencioso assegure que a decisão final vai ser proferida em prazo razoável – “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.” (art. 20. 4 CRP).
A terceira consequência impõe que o processo seja justo ou equitativo (art. 20.4). Trata-se da incumbência ao legislador para organizar o procedimento jurisdicional de forma a garantir ao particular, desde logo, o direito de argumentar e contra-argumentar, de juntar ao processo provas dos factos em disputa, isto é, em geral, de dispor das mesmas armas processuais de que dispõe a autoridade Administrativa demandada
A quarta consequência obriga o legislador a inventar ou descobrir e estabelecer medidas cautelares adequadas à protecção de factos dos interesses dos particulares em jogo no processo jurisdicional. O desfecho da acçã1o leva tempo e, por outro lado, a decisão administrativa contestada é, em principio, imediatamente exeqüível.
No CPTA este principio vem plasmado no art. 2.1, ou seja, “o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providencias cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”.
O principio da efectividade da tutela jurisdicional vem ao encontro da necessidade de protecção do demandante contra os efeitos da demora e da execução medio tempore da decisão administrativa, reclamando medidas provisórias capazes de os anular ou minimizar os seus efeitos.
A CRP após a revisão de 1997 estabelece um conjunto aberto de providências jurisdicionais, nomeadamente, a anulação ou declaração de nulidade de quaisquer actos administrativos, o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos, a adopção de medidas acessórias adequadas e a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos (art. 268.4 CRP)
A inércia das autoridades administrativas perante requerimentos apresentados por particulares reveste uma grande relevância jurídica no Estado de Direito Democrático.
Em geral, a existência em concreto de deveres emergentes da competência administrativa e a sua violação constituem um pressuposto qualificativo da inércia administrativa.
A inércia pressupõe um comportamento administrativo antijurídico que, por um lado é caracterizado como violação objectiva da ordem jurídica, relevando do ponto de vista da realização das competências administrativas independentemente da repercussão que tiver na esfera jurídica dos particulares. Só essa justifica a aplicação de remédios eminentemente objectivos, tais como a responsabilidade disciplinar e penal dos réus titulares.
Alem disso e, sendo a sua componente subjectiva, no Estado de Direito Democrático todo o cidadão dispõe da pretensão de ver examinados e decididos, num prazo razoável, os pedidos dirigidos à Administração. Desde que o requerimento seja apresentado à administração, esta está juridicamente obrigada a considerar o pedido, a decidi-lo e a dar resposta ao requerente.
Neste sentido dispõe o direito fundamental de petição. Isto quer dizer que a inércia perante requerimento ou petição do particular por parte da administração viola, desde lodo, um direito fundamental do requerente. Trata-se de um direito formal mas, em todo o caso de um direito fundamental (art. 52.1 CRP).
Se a autoridade administrativa omite o exame do requerimento, ainda que pudesse discricionariamente tomar sobre ele a decisão que entender melhor, não trato o requerente, só por isso, na sua condição de cidadão, ou, até, de ser humano.
A inércia das autoridades perante petições ou requerimentos é juridicamente reprovável e, mais do que isso, viola o direito fundamental do cidadão requerente.
Os direitos e interesses assim integrados na componente subjectiva da inércia da administração devem ser protegidos por remédios colocados na disponibilidade do cidadão interessado e não podem deixar de assumir, no Estado de Justiça, caracter jurisdicional.
Apesar de todos os problemas que o Contencioso Administrativo continua a ter, principalmente, em relação á defesa dos particulares, a verdade é que a Constituição não pode, nem pretende, regular em pormenor o processo administrativo, pois deixa inequivocamente ao legislador um espaço importante para a conformação de aspectos fundamentais do regime do contencioso.

Sem comentários:

Enviar um comentário