sexta-feira, 21 de maio de 2010

À cautela e com cautela, acautela-se provisoriamente!

Uma das grandes inovações da Reforma do contencioso administrativo foi, sem dúvida, realizada no campo das Providências Cautelares. Nesta, nasceu o decretamento provisório de providências cautelares, previsto no art.131.º do CPTA. Pretendemos debruçarmo-nos sobre este artigo, compreender o seu regime e, se “a tanto nos ajudar o engenho e arte”, levantar e tentar dar resposta a uma questão relevante relacionada com a sua aplicação.

Sabemos que as providências cautelares têm por finalidade salvar a utilidade da sentença final do processo principal. Desde logo se compreende que a decisão cautelar é meramente provisória e a possibilidade de se recorrer a este regime tem de ser submetida a estritos critérios. Critérios que terão de justificar a inobservância de diligências e formalidades, não estritamente necessárias, típicas de um processo comum.

Típico de qualquer providência é o risco de periculum in mora, característica essencial da própria razão de ser deste processo urgente. Não sendo requisito exclusivo, releva de forma notória para o decretamento provisório de providências cautelares do art. 131.º pois parece que o legislador, não contente com o meio “à mão” (a providencia cautelar tout court), resolveu criar um idóneo para processos de “periculum in brevíssima mora”, tão breve que a própria utilidade do processo cautelar estivesse em perigo.

Por ora importa ter em conta os requisitos do art. 131.º propriamente dito.
O nº1 do art. 131.º elenca dois motivos para a aplicação deste regime. O primeiro é a possibilidade de estar em causa a “tutela de direitos, liberdades e garantias”; o segundo é a ocorrência de situações de “especial urgência”.
Para além destes motivos, parece haver ainda dois requisitos. O nº3, exige que a lesão de um direito, liberdade e garantia seja “iminente e irreversível”, o nº1 exige que não seja possível tutelar as posições jurídicas já mencionadas “em tempo útil”.

A primeira questão é saber qual o verdadeiro âmbito de aplicação do art. 131.º. De que forma se deve interpretar o nº1 e o nº3 articulados?

Uma possível resposta seria entender que o art. 131.º acaba por consagrar uma medida cautelar típica/nominada destinada exclusivamente a proteger direitos, liberdades e garantias. A isto se acresce o facto de a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias do art. 109.º e ss. se declarar de aplicação subsidiaria face ao art. 131.º

A propósito do art. 109.º cabe realçar, por um lado, que a subsidiariedade depende do facto de não ser “possível ou suficiente” o decretamento provisório de uma providência cautelar do art. 131.º, e por outro a enorme semelhança entre estes dois regimes.
Ambos são processos urgentes nos termos do art. 36.º do CPTA. Atendendo ao regime dos dois artigos mencionados, quase que podemos afirmar que são processos urgentes dentro dos processos urgentes, com a possibilidade respectivamente de se obter uma decisão no prazo de 48 horas nos termos dos artigos 111.º n.º 1 e 133.º n.º 3.

Todavia, aqui surge uma enorme diferença entre os dois regimes. Enquanto na intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (art. 109.º) o juiz aprecia o fundo da causa, por outras palavras, o processo é um processo principal no caso do art. 131.º como o próprio nome indica estamos perante um decretamento provisório de providências cautelares, pelo que o juiz se encontra adstrito a estabelecer soluções transitórias e reversíveis sujeitas sempre à decisão final e definitiva do processo principal. Talvez seja essa a razão de ser da subsidiariedade do art. 109.º depender de não ser “possível ou suficiente” o decretamento provisório de uma providência cautelar.

Por fim, ambos fazem referência à tutela de direitos, liberdades e garantias. No entanto, se é claro que o art. 109.º só diga respeito a essa tutela, já não é tão claro que o art. 131.º tenha como exclusiva função tutelar direitos, liberdades e garantias. O âmbito de aplicação do art. 131.º depende do sentido dar à “outra situação de especial urgência” previsto no seu nº 3.

Um argumento invocável é admitir que o legislador, diz-nos que “ainda que não haja uma lesão iminente e irreversível, pode haver outras situações de especial urgência em que seja admissível a tutela de um direito, liberdade ou garantia”.

Apesar de tudo inclinamo-nos para defender a aplicação deste regime também a qualquer outra “situação de especial urgência” ainda que não diga respeito à tutela de um direito, liberdade e garantia. Isto porque a ratio subjacente ao art. 131.º parece ser evitar que exista uma situação em que uma providência cautelar se tornaria inútil precisamente porque o periculum in mora de que esta tenta acautelar acabaria por frustrar a utilidade, não só da decisão final do processo principal, mas também a decisão de se conceder a providência. Assim, faz sentido que, com uma contrapartida de requisitos mais exigentes, se crie uma providência, se necessário de aplicação imediata, evitando a possível lesão na mais brevissima mora.

Hélas, ao juiz cabe a responsabilidade de ter de se pronunciar em tão difíceis situações, resistindo à tentação de ceder à utilização abusiva deste regime que certamente provocaria danos na eficácia de todo o sistema de providências cautelares.


João Reis, Subturma 6

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