sexta-feira, 21 de maio de 2010

Princípio da Plena Jurisdição dos Tribunais Administrativos

Os tribunais administrativos exerceram durante muito tempo uma jurisdição de poderes limitados, poderes esses que fundamentalmente consistiam na anulação ou declaração da nulidade de actos administrativos. O CPTA veio quebrar esta tradição reforçando os poderes dos tribunais administrativos no plano declarativo e executivo sem eliminar os espaços autónomos de decisão próprios da Administração. Com efeito, o CPTA salvaguarda a margem de livre decisão e apreciação da Administração, desde logo no artigo 3º, nº1, ao esclarecer que a intervenção dos tribunais se processa “no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes”, e deste modo fica claro que não cabe àqueles tribunais pronunciarem-se sobre a conveniência ou a oportunidade da actuação administrativa. Também nos artigos 3º, nº3, 167º, nº6 e 179º, nº5, é previsto que a execução específica, através da emissão de sentença com efeitos substitutivos, do dever de a Administração praticar um acto administrativo só pode ter lugar quando a prática e o conteúdo do acto forem estritamente vinculados. Portanto, os poderes de condenação por parte dos tribunais administrativos devem ser exercidos de forma a respeitar “os espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa”, nos termos dos artigos 71º, nº 2, 95º, nº3, 168º, nº 3 e 179º, nº1.
Estes aspectos exprimem o reforço da tutela jurisdicional dos particulares e dos poderes dos tribunais administrativos perante a Administração. Os tribunais administrativos não estão vocacionados, nem constitucional nem legalmente habilitados, a fazer a designada dupla administração, ou seja, a (re) formular juízos que apenas à Administração cabe realizar, no exercício de poderes de valoração que são inerentes à função administrativa. Deste modo, é imprescindível prosseguir o justo equilíbrio entre as exigências de tutela efectiva de quem pretende a condenação da Administração e as exigências que impedem o juiz de ultrapassar os limites inerentes à função jurisdicional, no confronto com a função administrativa.
O reforço dos poderes dos tribunais administrativos reflecte-se, em primeiro lugar, no plano dos poderes de pronúncia que àqueles tribunais são atribuídos no plano declarativo, e, por sua vez, no âmbito dos processos principais em que são proferidas as decisões sobre o mérito das causas, e no âmbito dos processos cautelares em que são decretadas providências destinadas a acautelar a utilidade das decisões nos processos principais.

Poderes de pronúncia nos processos principais

O CPTA eliminou a dualidade de meios processuais que a LPTA tinha introduzido no domínio da impugnação de normas emitidas no exercício da função administrativa, substituindo-a por uma nova dualidade, agora uma dualidade de regimes quanto ao tipo de pronúncias judiciais que passam a poder ser proferidas pelos tribunais administrativos relativamente a todo o tipo de normas emanadas no exercício da função administrativa, independentemente da fonte de onde provenham. O primeiro tipo de pronúncia é a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, cujo âmbito de eficácia, regulado no artigo 76º, se inspira no disposto do artigo 282º da CRP, que diz respeito às declarações de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral que são proferidas pelo Tribunal Constitucional. Se, entretanto, os efeitos de uma norma se produzirem imediatamente, sem dependência de qualquer acto de aplicação, o artigo 73º, nº2, admite que “o lesado pode obter a desaplicação da norma pedindo a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao seu caso”. Portanto, o CPTA consagra um segundo tipo de pronúncia, que os tribunais administrativos passam a poder proferir neste âmbito: trata-se de uma declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral, com a finalidade de fazer com que a norma não possa ser aplicada ao interessado que obtenha essa declaração. Neste segundo caso ocorre uma declaração de ilegalidade proferida a título principal, e não a título incidental, pois não há acto administrativo de aplicação a propósito da impugnação do qual se possa pedir a desaplicação da norma. O lesado pela norma pode reagir directamente contra ela (artigo 268º, nº5 CRP), pedindo uma pronúncia com o efeito de o subtrair à aplicação da norma ilegal. A declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral, prevista no artigo 73º, nº2, pode basear-se na inconstitucionalidade da norma em causa, tal como também o poderia o pedido da sua desaplicação incidental, no âmbito do processo de impugnação do acto administrativo de aplicação, se a norma não fosse directamente aplicável e houvesse lugar à prática de um acto desse tipo. Com efeito, a restrição prevista no artigo 72º, nº2 só se aplica à declaração de ilegalidade com força obrigatória geral. O CPTA introduziu no artigo 77º um regime inovador de declaração de ilegalidade por omissão de normas necessárias “para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação”. Esta figura é inspirada na declaração de inconstitucionalidade por omissão, prevista no artigo 283º da CRP. Neste âmbito está em causa o exercício de um poder administrativo vinculado quanto ao an, pois procura dar cumprimento a determinações contidas em actos legislativos, e não o próprio exercício da função legislativa. Portanto, ao contrário do artigo 283º CRP, pelo artigo 77º, nº2 não é atribuído ao tribunal administrativo somente o poder de dar conhecimento da situação de omissão ao órgão competente, mas também o poder de fixar o prazo, não inferior a seis meses, dentro do qual a omissão deve ser suprida.
No plano dos poderes de condenação dos tribunais administrativos, o poder de condenar a Administração à prática de actos administrativos ilegalmente omitidos ou recusados, previsto nos artigos 66º e seguintes, reveste-se de especial importância. Por imposição constitucional, a reforma do contencioso administrativo teria de proporcionar aos interessados a “determinação à prática de actos administrativos legalmente devidos”, nos termos do artigo 268º, nº4. O CPTA instituiu, no âmbito da acção administrativa especial, o processo de condenação à prática de actos devidos como a sede adequada à tutela contenciosa das posições subjectivas de conteúdo pretensivo, que se dirijam à emissão de actos administrativos, independentemente da questão de saber se o respectivo conteúdo é ou não vinculado e que conduta adoptou a Administração em relação à pretensão que lhe foi dirigida. Nos termos do artigo 71º, entre os diferentes tipos de pronúncias que ao tribunal caberá proferir, está a simples condenação ao cumprimento do dever de decidir, a condenação à prática do acto devido de conteúdo vinculado e a condenação no dever de substituir o acto ilegalmente praticado por outro que não reincida nas ilegalidades cometidas.
O CPTA atribui aos tribunais administrativos, em termos genéricos, no artigo 3º, nº2, o poder de fixarem oficiosamente, quando são chamados a condenar a Administração, o prazo dentro do qual os deveres impostos devem ser cumpridos e de aplicarem, quando tal se justifique, sanções pecuniárias compulsórias, nos termos do artigo 169º, destinadas a assegurar o cumprimento de tais deveres. Este mecanismo consiste na via mais eficaz para tentar coagir a Administração a cumprir as suas obrigações, constrangendo-a de maneira a forçá-la a cumprir as obrigações que sobre ela impendam, de acordo com o artigo 829º-A.

Poder de decretar todo o tipo de providências cautelares

Antes da reforma de 2004 os tribunais administrativos já podiam conceder providências cautelares não especificadas, recorrendo à aplicação subsidiária do CPC. Contudo, na prática, até à reforma de 2004 a tutela cautelar no contencioso administrativo continuou a centrar-se essencialmente no instituto da suspensão da eficácia de actos administrativos, que padecia de várias insuficiências. Dando cumprimento ao disposto no artigo 268º, nº4 CRP, o CPTA estabelece no artigo 112º que os tribunais administrativos passam a poder adoptar toda e qualquer providência cautelar, antecipatória ou conservatória, que se mostre adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir num processo principal. O alargamento da tutela cautelar no novo contencioso administrativo manifestou-se em dois domínios: no domínio da emissão de providências conservatórias e no domínio da emissão de providências antecipatórias. Na concessão das providências que impliquem a “intimação para a abstenção de uma conduta por parte da Administração” (112º, nº2, alínea f)), os tribunais administrativos devem agir com cautela, pois uma excessiva generosidade dos tribunais na concessão deste tipo de providência cautelar, sem o rigoroso cumprimento do princípio da separação de poderes, poderia conduzir à paralisação da Administração activa.
O CPTA também reforça os poderes dos tribunais administrativos no plano da execução das decisões que proferem, pois aqueles tribunais passaram a dispor do poder de adoptarem verdadeiras providências de execução das suas decisões. Com efeito, o artigo 3º, nº3 prevê que os tribunais administrativos asseguram a execução das suas decisões, designadamente daquelas que proferem contra a Administração, seja providenciando a concretização material do que nelas foi determinado, seja, proferindo uma sentença destinada a produzir os efeitos de acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado, quando a prática e o conteúdo desse acto forem estritamente vinculados. No título VIII do CPTA são concretizadas as providências que os tribunais administrativos passaram a poder adoptar para assegurar a execução das suas decisões, que, entre outras, podem consistir no paradigma da demolição nos termos do artigo 167º, nº5, e também nas execuções para pagamento de quantia certa, de acordo com os artigos 170º e seguintes.
Marisa Ribeiro dos Santos subturma 6

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