quinta-feira, 29 de abril de 2010

Sugestão de Fim-de-Semana (4); Observatório da Realidade

Hoje deixo-vos uma notícia relativa a um concurso público, lançado pelo Governo, relativo ao fornecimento de computadores portáteis, adaptados aos Professores e Alunos do 1ºCiclo do Ensino Básico. Um Bom Fim-de-Semana para todos!

Fica a transcrição da notícia, retirada da edição online de hoje, do Jornal Público.

Computadores

Prológica e JP Sá Couto venceram concurso para fornecer sucessor do Magalhães


As empresas Prológica e JP Sá Couto venceram o concurso público internacional para o fornecimento dos 250 mil computadores que serão distribuídos no âmbito do programa e.escolinha, disse à Lusa fonte do Ministério da Educação.

""Foram adjudicadas as propostas apresentadas a concurso público internacional para aquisição de bens e serviços necessários ao fornecimento de computadores portáteis ultraleves adaptados aos professores e alunos do 1.º ciclo do Ensino Básico", acrescentou a mesma fonte.

O despacho de adjudicação foi assinado na quinta-feira pelo secretário de Estado da Educação, João Trocado da Mata, acabando por confirmar o resultado do relatório preliminar, divulgado a 15 de abril, e ao qual se seguiu um prazo de cinco dias para as concorrentes contestarem a decisão preliminar.

"Os três lotes foram adjudicados à Prológica - Sistemas Informáticos (88 888 computadores), à JP Sá Couto (94 421 computadores) e à Prológica Solutions (66 691 computadores) e representam um orçamento total de 49,422 milhões de euros", acrescentou a fonte.

Lançado no início de Janeiro, este concurso representa um investimento de 50 milhões de euros por parte do Governo, 45 milhões dos quais financiados pelo Orçamento do Estado.

Os computadores destinam-se aos alunos do 1.º ciclo que entraram este ano para o 1.º ano e para os estudantes que a partir de 2010/2011 se matriculem no mesmo ano de escolaridade.

"O Ministério da Educação está a fazer todos os esforços para que os computadores sejam entregues até ao final do ano lectivo" aos alunos que se encontram este ano no 1.º ano, disse a mesma fonte, sublinhando que será distribuído um equipamento a cada docente, o que não aconteceu na primeira fase do programa e.escolinha.

Inforlândia, Prológica - Sistemas Informáticos, JP Sá Couto, Prológica Solutions e Bechtle Direct Portugal foram os cinco concorrentes que apresentaram propostas.

"A selecção das melhores propostas regeu-se pelo critério da proposta economicamente mais vantajosa, com a avaliação ponderada do preço e da qualidade técnica. Entre as características consideradas relevantes para a qualidade técnica da proposta encontram-se, nomeadamente, o desempenho, a robustez, a autonomia da bateria, o peso e a segurança", realçou.

A primeira fase do concurso do programa e.escolinha gerou polémica, depois de o fabrico dos computadores Magalhães ter sido atribuído sem concurso público à JP Sá Couto.

Na sequência desta polémica, a Fundação para as Comunicações Móveis, que gere o programa e.escolinha, está a ser alvo de uma comissão eventual de inquérito parlamentar, que tem como objectivo saber em que moldes foi adjudicado o fornecimento dos computadores Magalhães à JP Sá Couto."

CDS exige ao Governo explicações sobre nomeações no IEFP



Centristas vão chamar ministra do Trabalho e da Solidariedade Social à Assembleia da República

O líder parlamentar do CDS, Pedro Mota Soares, informou este sábado a agência Lusa que o partido «vai chamar com carácter obrigatório e de urgência a ministra do Trabalho ao Parlamento para que dê uma explicação aos portugueses sobre o que se está a passar no Instituto do Emprego e Formação Profissional» (IEFP), que nomeou dirigentes sem recorrer a concurso público.

O CDS pretende esclarecimentos sobre informações que indicam que, «pelo menos em 131 situações, mas que podem ir quase até às 600, o Instituto do Emprego está a fazer uma fraude à lei».

Actualmente, segundo o deputado, «todas as chefias intermédias do Estado devem ser contratadas através de concurso público» e «a verdade é que no Instituto do Emprego, ao contrário do que a lei obriga, os dirigentes intermédios estão a ser nomeados directamente, sem concurso público, através de um mecanismo que levanta muitas dúvidas, o regime de substituição».

Para o político, isto acontece porque «o Governo não quer lançar concursos que permitam até alguma despartidarização dos cargos da Administração Pública».


Nomeados com ligação ao PS

O líder parlamentar do CDS acrescenta outra crítica à actuação do IEFP relacionada com a ligação destes nomeados a um partido político.

«Em todas as situações em que os nomeados têm no seu currículo alguma ligação partidária essa ligação é curiosamente a um partido, o Partido Socialista», disse.

Na sexta-feira o presidente do IEFP, Francisco Marcelino justificou as nomeações com a falta de tempo e de técnicos para concretizar os processos de concurso público, em declarações à SIC.

Para Mota Soares, este argumento para o incumprimento de uma lei de 2005 «não colhe» e «provavelmente a intenção do Governo é outra e é isso que queremos que a ministra explique no Parlamento».



IOL Diário de 24-04-2010 - 17:20h






quarta-feira, 28 de abril de 2010

Impugnação de Actos Meramente Confirmativos

Impugnação de actos meramente impugnativos

Esta questão encontra-se prevista no artigo 53º do CPTA e tem a seguinte redacção:
Impugnação de acto meramente confirmativo
Uma impugnação só pode ser rejeitada com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto impugnado quando o acto anterior:
a) Tenha sido impugnado pelo autor;
b) Tenha sido objecto de notificação ao autor;
c) Tenha sido objecto de publicação, sem que tivesse de ser notificado ao autor.
O artigo citado contém a regra de que não são impugnáveis os actos que se limitem a confirmar definições jurídicas introduzidas por actos administrativos anteriores. Deste modo, o que a Administração faz é reconhecer que já tomou uma decisão sobre aquela matéria e que, por isso, recusa exercer novamente o poder de decidir sobre a mesma, ou, dito de outro modo, a administração é convidada a confirmar o que já havia decidido, sem tomar nova decisão.
Na alínea a) do citado artigo encontramos uma limitação à legitimidade activa, pois, o acto confirmativo não pode ser impugnado por quem anteriormente já o haja feito.
No concernente às restantes alíneas estas apenas impõem que os prazos legais de impugnação sejam respeitados pois, de outra forma, quem estivesse constituído do ónus de impugnar o acto administrativo e não o tivesse feito, ainda assim seria “premiado” por não obedecer aos prazos legais que, por sua vez são imperativos.
Para além dos casos referidos nas alíneas do artigo 53º a impugnação de actos meramente confirmativos é possível.
Este conceito foi criado com o objectivo de evitar que, através de requerimentos sucessivos, se pudessem permanentemente reabrir processos, defraudando os prazos legais de impugnação.
São, de seguida, deixados alguns exemplos da Jurisprudência acerca desta temática:
i. Acórdão do STJ de 11-03-2009:
Não é meramente confirmativo o acto proferido na sequência de uma reclamação facultativa que, com fundamentação diferente, decide no mesmo sentido do acto objecto de reclamação.
Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
A… recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que rejeitou o RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO por si interposto contra a CÂMARA MUNICIPAL DE SINES, por irrecorribilidade do acto impugnado.
Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões: - contrariamente ao sustentado na sentença recorrida a deliberação de 17-4-2002 não tem – salvo melhor opinião – o mesmo conteúdo da invocada deliberação de 7-11-2001 e aquela não pode ser considerada como acto confirmativo desta; - contrariamente ao sustentado na sentença a invocada deliberação de 7-11-2001 não consubstancia um acto definitivo e executório, como aliás a própria Câmara recorrida o reconheceu ao levar o assunto à reunião de Câmara de 17-4-2002;
- acto definitivo e executório foi a deliberação de 17-4-2002, porquanto é nesta deliberação (e só nesta) que a Câmara Municipal de Sines apresentou uma fundamentação do que deliberou;
- independentemente dos actos processuais praticados pela aqui recorrente relativamente à invocada deliberação de 7-11-2001, esta só pode ser considerada como acto preliminar da deliberação de 17-4-2002, porquanto é nesta deliberação que a Câmara municipal de Sines efectivamente decide não adjudicar o projecto de execução, indicando os fundamentos que dela constam;
- se assim não fosse, os administrados nunca estariam em condições de poder sindicar os actos da Administração, porque nunca saberiam distinguir entre os actos administrativos definitivos e os meros actos preliminares e os simples actos confirmativos;
- contrariamente ao sustentado na sentença recorrida, a deliberação de 17-4-2002 não tem o mesmo conteúdo da invocada deliberação de 7-11-2001, porquanto a fundamentação da não adjudicação do projecto de execução só consta da deliberação tomada na reunião de Câmara de 17-4-2002;
- ainda que se entenda ser de atribuir cariz discricionário ao regime de adjudicação em apreço, o facto da Câmara Municipal de Sines ter proposto aos concorrentes, aquando da abertura do Concurso, adjudicar a elaboração do projecto de Execução ao concorrente que viesse a ficar classificado em primeiro lugar e, posteriormente, esquecer essa sua proposta (não adjudicando a elaboração do Projecto de Execução à aqui recorrente, na sua qualidade de concorrente classificada em primeiro lugar com uma justificação não prevista – nem previsível – á data da abertura do concurso) seria (como efectivamente foi) uma verdadeira materialização da prática de desvio do poder, vício conducente à nulidade do acto – deliberação de 17-4-2002 (art. 15º, 1 e 19º da Lei orgânica do STA);
- em vez de dar cumprimento à sequência normal do procedimento – Concurso Público – a que estava obrigada pelo Regulamento do Concurso (que aprovou) e pela legislação aplicável, a Câmara municipal de Sines deliberou, unilateralmente (louvando-se nos pareceres que estão nos autos), em reunião de Câmara de 17-4-2002, interromper o procedimento, não adjudicando o trabalho à aqui recorrente, na sua qualidade de concorrente classificada em primeiro lugar;
- esta interrupção do procedimento é uma verdadeira alteração dos pressupostos definidos aquando da abertura do concurso público e a apreciação altamente positiva, referente à proposta da aqui recorrente, não deveria permitir que a Câmara Municipal de Sines pudesse dizer (como disse) no âmbito da citada deliberação de 17-4-2002, que os projectos apresentados – incluindo o que classificara em primeiro lugar – estavam desadequados aos pretendido para o local;
- as causas da não adjudicação estão previstas no art. 57º do Dec. Lei 197/99, de 8 de Junho, e delas não consta a situação invocada na citada deliberação de 17-4-2002, pelo que além de enfermar de vício de alteração dos pressupostos e de falta de fundamentação (fundamentação inadequada ao caso concreto), a citada deliberação de 17-4-2002 implica violação expressa do disposto no art. 57º do Dec. Lei 197/99, de 8 de Junho.
- assim, aquela deliberação tem de considerar-se absolutamente nula, ou, pelo menos, inquinada de anulabilidade. Nas contra – alegações, a Câmara Municipal de Sines pugnou pela manutenção da sentença, sublinhando que a recorrente reafirma no recurso jurisdicional a imputação dos vícios do acto, quando a sentença recorrida se limitou a rejeitar o recurso por irrecorribilidade.
Neste Supremo Tribunal a Ex.mo Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
a) Por anúncio publicado no Diário da República, III Série, n.º 253, de 2-11-2000, foi aberto Concurso público, pela recorrida, para os “Arranjos Exteriores ao Castelo de Sines” – cfr. volume I, do processo instrutor;
b) Em sessão pública de 11-5-2001, o júri classificou em 1º (primeiro) lugar a proposta apresentada pela recorrente – cfr. volume I do processo instrutor;
c) Em 29-5-2001, a Câmara municipal de Sines homologou o resultado do Concurso exarando despacho sobre o Relatório Final do Júri – cfr. fls. 547 do Volume II do processo instrutor;
d) Em sessão de 7-11-2001, da Câmara Municipal de Sines, foi proferido sobre “parecer” de 5-11-2001, de jurista do Gabinete Jurídico, o seguinte despacho: “A CMS considera que nenhuma das propostas apresentadas, incluindo a que ficou em 1º lugar, está adequada ao pretendido pela CMS para o local pelo que o mesmo não será adjudicado. Reserva-se a CMS a oportunidade para lançar novo concurso” – fls. 549, do volume II do processo instrutor;
e) Por ofício de 22-11-2001, a recorrente foi notificada da decisão referida em d) – fls. 550-552 do volume II do processo instrutor;
f) Por cartas de 11 e 30-1-2002, a recorrente apresentou junto da recorrida reclamação da decisão identificada em d), na qual, para além de defender que a mesma não tem qualquer fundamento legal requer, a fim de evitar o recurso à via judicial, a realização de uma audiência de modo a chegar a um consenso que permita assegurar os seus direitos – cfr. fls. 567-572, do volume II, do processo instrutor;
g) A reclamação mencionada em f), foi objecto de dois pareceres, técnico e jurídico, juntos a fls. 577 a 579 e cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos e sobre os quais recaiu o seguinte despacho:
“A Câmara Municipal de Sines delibera não adjudicar o projecto com os fundamentos invocados na informação técnica e com o enquadramento jurídico constante do parecer jurídico”.
h) A 4-3-2002, a recorrente interpôs recurso contencioso de anulação da decisão mencionada em d), o qual por sentença do TAC de 19-3-2005, foi rejeitado, com fundamento em extemporaneidade da sua interposição, decisão esta confirmada por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6-12-2006 – cfr. fls. 52-56 e 107-115 do processo 95/2002;
i) A 15-5-2002, a recorrente interpôs o presente recurso contencioso de anulação tendo por objecto a deliberação mencionada em g) – cfr. fls. 2 dos presentes autos.
2.2. Matéria de direito
A sentença recorrida rejeitou o recurso por entender que o acto impugnado era meramente confirmativo e, nessa medida, irrecorrível.
Nas alegações do recurso, a recorrente para além de se insurgir contra a natureza meramente confirmativa do acto, alega ainda as razões que em seu entender o tornam inválido. Ora, os vícios do acto não podem ser apreciados neste recurso jurisdicional, uma vez que o mesmo tem como objecto a sentença que rejeitou o recurso.
Assim objecto deste recurso é apenas a questão de saber se a sentença decidiu com acerto a questão da recorribilidade do acto.
É entendimento pacífico que um acto é meramente confirmativo quando, para além da identidade da decisão, ambos os actos (o confirmado e o conformativo) tenham como pressupostos a (i) mesma situação fática, o (ii) mesmo regime jurídico e (iii) em ambos tenha sido utilizada a mesma fundamentação.
Não basta, com efeito, a identidade de decisão, isto é, que os efeitos jurídicos por ela produzidos em concreto, sejam idênticos, para se falar em acto meramente confirmativo.
A identidade do assunto discutido também não tem qualquer relevo, uma vez que o mesmo assunto pode ter a mesma decisão, por fundamentos diversos.
Uma fundamentação diferente da mesma decisão, altera e modifica os pressupostos da decisão e não legitima a conclusão de que nada se acrescentou ao acto supostamente confirmado.
No caso dos autos não há dúvidas que estamos perante dois actos que decidiram no mesmo sentido, perante a mesma situação fáctica, a aplicação do mesmo quadro jurídico; também não há dúvida de que o anterior acto foi efectivamente notificado ao interessado, que dele recorreu contenciosamente. Também é indiscutível que a reclamação, na sequência da qual foi proferido o acto, ora impugnado, era meramente facultativa pois foi dirigida para o autor do acto, entidade com competência exclusiva para a prática do acto e no termo de um procedimento administrativo, sem que exista lei a atribuir-lhe natureza “necessária”.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar o prosseguimento dos autos.
Sem custas.
Lisboa, 11 de Março de 2009. – António Bento São Pedro (relator) – Fernanda Martins Xavier e Nunes – Maria Angelina Domingues.

ii. Acórdão do STJ de 28-11-2002
I – Improcede a denúncia de que a decisão de facto pecou por deficiência ou omissão se nenhuma razão há para os acrescentamentos pedidos e se a factualidade coligida se mostra bastante para suportar a adequada decisão de direito.
II – Contra o despacho que só rejeitou um recurso hierárquico por o acto da entidade «a quo» ser confirmativo, é vão insistir-se na tempestividade desse recurso.
III – O acto confirmativo não absorve ou substitui o acto confirmado.

iii. Acórdão do STJ de 14-12-2005
I - A rejeição de um recurso contencioso de um acto confirmativo ou de execução tem que assentar na recorribilidade (ou estabilidade por falta de impugnação administrativa) do acto confirmado ou do acto exequendo, mas também na sua notificação nos termos legais (art.º 68 do CPA), de modo a permitir-se uma impugnação efectiva.
II - Lógica do princípio constitucional que impõe a notificação de quaisquer actos administrativos (art.º 268, n.º 3, da CRP); regra segundo a qual os actos constitutivos de deveres ou encargos só começam a produzir efeitos a partir da sua notificação (nos termos legais) aos destinatários (art.º 132, n.º 1, do CPA).

iv. Acórdão do STJ de 24-01-2002
I - Tem natureza mista de acto confirmativo e de mera execução, o acto prolatado pelo presidente da câmara municipal, ordenando o despejo coercivo e demolição de obras ilegalmente realizada num prédio, na sequência de anterior acto proferido por um vereador no uso de competências delegadas pelo presidente, ordenando o despejo e demolição, na mesma extensão e com os mesmos fundamentos de facto e de direito.
II - Os actos confirmativos ou/e de execução, porque não definem inovadoramente, qualquer situação, não têm lesividade própria, pelo que não são susceptíveis de recurso contencioso.


segunda-feira, 26 de abril de 2010

Sempre a tempo

Tribunal obriga GNR a promover seis militares a oficiais
Noticia do Jornal Público de 27.03.2010

Têm cursos superiores e exercem há anos tarefas condizentes, mas a falta de regulamentação na AR não os deixava sair dos postos de soldado e de sargento.
O Supremo Tribunal Administrativo (STA) decidiu no passado dia 11 dar razão a seis militares da GNR que há cerca de cinco anos lutavam nos tribunais para que fossem oficializadas a suas promoções a oficiais. Os militares em causa, dois soldados e quatro sargentos, possuem cursos superiores, mas nunca obtiveram a autorização, prevista na lei, para progredirem na carreira.

O comando da GNR sempre se negou a promover estes militares, alegando que a portaria que permite aos efectivos progredirem na carreira sempre que obtenham as habilitações literárias exigidas, não se encontrava regulamentada.

Agora, após cinco anos de luta jurídica, o STA responsabiliza pela situação os ministérios das Finanças e da Administração Pública e o da Administração Interna. Os militares irão pedir a imediata requalificação das suas carreiras, facto que poderá ditar não só a automática promoção a oficial como ainda irá obrigar ao pagamento de todas as importâncias devidas.

Direito, Contabilidade e Administração, História, Antropologia e Criminologia são os cursos concluídos (e certificados documentalmente pelas respectivas faculdades) dos seis militares. Ao longo dos anos, as chefias da GNR aproveitaram as habilitações deste pessoal e colocaram-nos a desempenhar funções condizentes com os respectivos conhecimentos, só que nunca promoveram as suas promoções (obrigatórias, conforme diz o número 6 do artigo 195 do Estatuto Militar da GNR) e, em consequência, nunca os remuneraram com os montantes legais.

A norma regulamentar que obriga a publicação da portaria para este caso é de Janeiro de 2002. Essa publicação, em Diário da República, é uma obrigação do Ministério da Administração Interna. Este, ao não cumprir esta determinação, incorreu num delito de omissão de normas de acto legislativo.

Na GNR, a regra que vigora é a de que ocupam os postos de oficiais os militares provenientes de outros ramos militares e que já possuam essas graduações ou todos os candidatos àquela força que possuam as habilitações exigidas.
Cláudia Fernandes
sub.6
nº 14677

A declaração de ilegalidade por omissão regulamentar

A reforma de 2004 trouxe uma novidade ao Contencioso Administrativo, nomeadamente, a existência de um mecanismo processual destinado a reagir contra omissões ilegais de emissão de regulamentos.
João Caupers, antes da reforma, considerava a inércia regulamentar uma autêntica violação de um dever jurídico de regulamentar que poderia decorrer da norma legal expressa ou implicitamente. Deste modo, faz todo o sentido que se conceda aos tribunais administrativos, o poder de proferirem sentenças nas quais declaram a referida violação e ainda fixando à autoridade administrativa um prazo para preencher a lacuna regulamentar.
Esta discussão foi retomada por Paulo Otero, durante a discussão acerca da reforma de 2004. Este sugeriu a criação de um mecanismo análogo ao da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, permitindo que os tribunais administrativos dessem conhecimentos aos órgãos competentes da existência de uma ilegalidade por omissão.
Surge assim, com a reforma de 2004, a possibilidade de em acção administrativa especial, de se suscitar um pedido de apreciação de ilegalidade por omissão regulamentar que resulte, expressão ou indirectamente, de uma concreta lei, quer decorra de remissões, art.77ºnº1 CPTA.
Será igualmente verificável a omissão de regulamentos autónomos ou independentes, caso este em que a Administração possui uma maior margem de conformação normativa, sem poder, no entanto, dispensar a sua vassalagem à lei. O que encontra a sua justificação no facto de no caso dos regulamentos autónomos, a sua emissão corresponda ao cumprimento de um dever legal e que estes têm como objectivo tornar exequíveis actos legislativos que carecem de regulamentação.
Após verificação de existência do dever de regulamentais e proferida a decisão que toma partido pela ilegalidade, a sentença terá como efeitos essenciais, dar conhecimento à entidade competente e fixar um prazo, não inferior a seis meses, para que haja supressão da omissão, art.77ºnº2 CPTA.
É discutível o conteúdo da sentença, na medida em que, parece ser o objectivo do legislador estabelecer que esta possui uma eficácia meramente declarativa, dando apenas conhecimento da existência de uma ilegalidade, por outro, determina que esta possui efeitos cominatórios, a partir do momento em que prevê a fixação de um prazo para que a autoridade administrativa adopte as normas regulamentares.
O Professor Mário Aroso de Almeida, aproxima o previsto no art.77ºnº2 CPTA, às sentenças de condenação tendo em conta que se procede à fixação de um prazo que vincula a Administração. Deste modo, fará mais sentido aproximá-los às sentenças de condenação do que a sentenças meramente declarativas ou de simples apreciação.
O Professor VPS é da opinião que nada impediria a que se tivesse estabelecido a possibilidade de condenação da Administração na produção da norma regulamentar em falta (já que é o que acontece com os actos administrativos devidos). Deste modo, reconhecia-se a existência de um dever de regulamentar sem pôr em causa a separação dos poderes. Se assim fosse, seria necessário distinguir duas situações:
1. Situação em que se verifica a existência de um dever de regulamentar da Administração, mesmo possuindo a autoridade administrativa, um poder discricionário na estipulação do seu conteúdo. Neste caso, o tribunal deveria limitar-se a condenar a Administração Pública na emissão do regulamento. Quanto muito, poderia o juiz fornecer conselhos, a nível meramente indicativo, quanto ao modo de exercício do poder discricionário.
2. Situação em que não existe apenas um dever legal, mas sim a sua obrigatoriedade, complementada pela fixação prévia pelo legislador, do seu conteúdo. Há uma dupla vinculação legal (emissão e conteúdo). Nestes casos, o Professor VPS não encontra motivo para não existir uma sentença de condenação na emissão do regulamento com determinado conteúdo.
Apesar de o regime adoptado ainda deixar algo a desejar, este não deixa de representar um progresso face ao regime anterior, deixando em suspenso e tornando admissíveis alterações por via de futuras revisões da reforma, nomeadamente, a criação da acção de condenação na emissão de regulamentos devidos.
É ainda importante referir que no actual regime é possível ampliar a eficácia cominatória das sentenças que se consideram declarativas, no sentido em que, se pode fazer acompanhar a sentença uma sanção pecuniária compulsória, ou seja, é possível utilizar mecanismos de execução, já que se considera como acto de desobediência em relação à sentença, o desrespeito pelos prazos fixados pelo juíz, art. 164ºnº4/d), 168º e 169º CPTA.

Petição contra parque eólico em Sortelha

Por Sónia Balasteiro, in Sol

A instalação da primeira torre eólica já começou. A petição ‘Vamos Salvar Sortelha’ reúne mil assinaturas. Para hoje está marcada uma acção de protesto, «com Flores e Arte»

Habitantes da aldeia histórica de Sortelha, no concelho de Sabugal, lançaram, no início deste mês, um apelo para acabar com a instalação de um parque eólico nas imediações da freguesia, que consideram um «atentado ao património de Sortelha e à envolvente que os turistas se habituaram a conhecer».

No blogue vamos salvar sortelha , principal veículo de divulgação do movimento, podem ver-se imagens dos mais prováveis efeitos paisagísticos do projecto, e do local onde decorrem os trabalhos de instalação da primeira das 17 torres eólicas, visível do castelo da aldeia.

(!)«Não foi colocado nenhum edital na freguesia a anunciar o parque. Só ouvimos conversas de café de pessoas que diziam que iriam ficar ricas com isto. Falava-se então em cinco torres. Acabámos por descobrir que seriam 17 a cercar a aldeia» – conta Joaquim Tomé, um dos mentores do movimento ‘Vamos Salvar Sortelha’, que lançou uma petição com cerca de mil assinaturas.

«Temos recebido manifestações de apoio de toda a Europa, sobretudo de pessoas ligadas à cultura», conta o peticionário, anunciando uma acção de protesto, marcada simbolicamente para hoje, dia 25 de Abril, «com Flores e Arte».

«Já se vêem duas torres, do Monte de São Cornélio, bastante próximas da freguesia», protesta Joaquim Tomé, alegando não entender como alguém pode aprovar esta «destruição do legado desta aldeia medieval».

(!)António Robalo, presidente da Câmara Municipal do Sabugal, que aprovou a instalação do parque eólico, garante, no entanto, que tudo foi feito «seguindo os procedimentos legais normais e segundo todos os pareceres» – e que, «por isso, o projecto vai mesmo avançar».

(!)Já o ex-presidente da Junta de Freguesia de Sortelha, Luís Paulo, nega responsabilidades na aprovação do projecto por as torres não se encontrarem em «terrenos baldios da junta de freguesia».

No entanto, considera que estas «representam uma mais-valia para os habitantes, que vão receber um complemento às suas baixas reformas pelos terrenos para a instalação do parque». Além disso, «as torres ficarão muito distantes das muralhas da aldeia – senão, eu também estaria contra».

Joaquim Tomé acusa o antigo autarca de «ter mentido aos media» ao falar da distância das torres em relação à aldeia: «algumas ficarão a apenas um quilómetro».

domingo, 25 de abril de 2010

Concurso de professores sobressalta Parlamento a poucos dias do seu fim




(Peço desculpa pelo atraso da notícia, de qualquer forma não me teria sido possível postar o artigo mais cedo por motivos de ordem técnica - a blogosfera tem as suas complicações! Mas fique aqui a nota que o concurso para professores contratados a que se refere o artigo terminou na Sexta-Feira passada, dia 23 de Abril.)


Solução deverá passar pela anulação do actual concurso, alega especialista. CDS e PCP avançam com projectos.


Isabel Alçada está de novo convocada para comparecer na Assembleia da República. "O pedido de audiência com máxima urgência" foi apresentado pelo CDS e aprovado, ao princípio da noite de ontem, pela Comissão de Educação, com a abstenção do PS. Os deputados querem esclarecimentos sobre as razões que levaram o Ministério da Educação a contabilizar a avaliação realizada no ano passado para efeitos de ordenação dos candidatos no concurso para professores contratados.

O concurso abriu no dia 12 e termina na próxima sexta-feira. CDS e PCP apresentaram também ontem projectos com vista à alteração das regras deste concurso. "Se a Assembleia da República, de forma maioritária, recomendar ao Governo que a avaliação não seja considerada para efeitos deste concurso, será sempre possível emendar a mão, mesmo a posteriori", defendeu o deputado centrista José Manuel Rodrigues.

O deputado admite que esta solução poderá passar pela anulação do presente concurso. No seu projecto de resolução, o CDS frisa que "não se compreende o porquê de enquadrar o resultado de uma avaliação que o próprio ministério já veio admitir como ineficaz e geradora de injustiças neste concurso".

O CDS optou por apresentar um projecto de resolução, que se traduz numa recomendação ao Governo, em vez de um projecto de lei, por considerar que esta é matéria que compete ao executivo decidir. Se o Governo continuar intransigente nesta matéria, "então a Assembleia da República tem de tomar uma atitude de força", adiantou. Já o PCP optou por avançar com um projecto de lei, tendo solicitado um agendamento de urgência, o que só é possível com o consenso de todos os partidos.

Socialistas contra

O PS já manifestou que está contra o projecto, mas ontem desconhecia-se ainda se ia ou não viabilizar a sua discussão. O projecto de lei tem apenas três artigos: um que determina que não sejam tidos em conta os resultados dos processos de avaliação; outro a estipular que as alterações sejam feitas "no período de aperfeiçoamento" do concurso, que decorrerá entre 3 a 6 de Maio; e um último sobre a entrada imediata em vigor.

Contactado pelo PÚBLICO, o professor de Direito e especialista em Direito Administrativo Vieira de Andrade, embora salvaguardando que não conhece em pormenor o enquadramento dos concursos de colocação de professores, lembrou que, "em geral, e em princípio, não é admissível" alterar regras e procedimentos já depois do final de um concurso. Para se proceder deste modo, em princípio, "teria que se anular o concurso", acrescenta.

Miguel Tiago, do PCP, argumenta que o Governo foi contra uma recomendação maioritária do Parlamento. No final do ano passado, a Assembleia da República recomendou que fossem "criadas condições para que, do 1.º ciclo avaliativo, não resultem penalizações para os professores". Mas apenas falou na progressão da carreira e não nos concursos para colocação de docentes. O deputado comunista indica que o projecto de lei agora apresentado pelo PCP produziria efeitos "no período de aperfeiçoamento" do concurso, quando ainda não saíram as listas de graduação, que resultam da aplicação da avaliação. "Só pode ser aplicado se for aprovado e entrar em vigor a tempo daquele período", acrescentou.

No diploma legal sobre os concursos de professores, estipula-se que naquele período o candidato pode "proceder ao aperfeiçoamento dos dados introduzidos nos campos alteráveis". Na segunda-feira, o secretário de Estado da Educação, Alexandre Ventura, garantiu que neste período o ministério irá "resolver todas as situações que têm uma solução do ponto de vista técnico".

O Processo Administrativo na CRP

Decorre dos artigos 202º e seguintes e 268ºnº4 e 5 da Constituição a realidade de um contencioso administrativo jurisdicionalizado e que se destina a tutelar plena e efectivamente os direitos dos particulares nas relações jurídicas com a administração.

Este modelo de Contencioso Administrativo foi o ponto de partida para uma ruptura com o anterior modelo constitucional de Justiça Administrativa (anterior à Constituição de 1976).

As principais preocupações da Constituição de 1976 e das posteriores revisões constitucionais consistiram sobretudo em consagrar constitucionalmente a garantia de controlo jurisdicional da Administração e consagrar direitos fundamentais em matéria de processo administrativo. De salientar, será a consagração do direito de acesso à Justiça Administrativa, que se trata de um direito fundamental que poderá ser analisado sob duas perspectivas. Este trata-se de um instrumento que efectiva os direito fundamentais, na medida em que a titularidade de um direito fundamental implica a titularidade do direito de acção que lhe corresponde. Por outro lado, este direito de acesso, corresponde ainda a um direito processual fundamental, que contribui para a concretização do direito que se viu violado.

Este modelo constitucional obrigou a um corte profundo com o anterior modelo, que se caracterizava pelo autoritarismo do direito da Administração e pela negação da titularidade dos direitos dos particulares.

A Constituição de 1976 apenas iniciou um processo, que se desenvolveu ao longo dos anos, daí que se possa afirmar que se estabeleceu um Contencioso Administrativo tendencialmente mais pleno e subjectivizado. No entanto, um corte tão profundo não consegue dar vazão e solucionar todas as zonas cinzentas e situações de conflitos que surgem posteriormente. Antes da entrada em vigor da reforma de 2004, criou-se uma situação conflitual entre o modelo constitucional e a legislação do processo administrativo, que gerou situações de conflito e problemas de identidade ao Contencioso Administrativo. Era insustentável que um Estado de Direito se pautasse por uma constituição material e formal que destoassem tanto uma da outra e que fossem tão antagónicas.

É imperativo que se analise o modo como a Constituição trata do Contencioso Administrativo e apreciar o modo como esta interfere na esfera dos particulares. O processo de evolução que se iniciou em 76 ainda continua em marcha, mas hoje em dia, há que considerar tanto o texto como a prática constitucional de um ponto de vista dinâmico, visto a CRP ser caracterizada pela sua faceta dinâmica. É necessário olhar para a letra da lei e para o modo como esta se vai alterando e evoluindo através das revisões constitucionais e ainda para o modo como a Constituição vai sendo realizada através da prática constitucional, através da sua aplicação.

Condenação à prática de acto devido

Uma questão interessante para debater prende-se com o tratamento que, do ponto de vista processual, deve corresponder aos actos administrativos de indeferimento, mediante os quais a Administração, em resposta a requerimentos que, nesse sentido, lhe tenham sido apresentados, se recuse a praticar certos actos administrativos. No novo contencioso administrativo, os actos administrativos de indeferimento deixam de poder ser objecto de processos de impugnação, dirigidos à respectiva anulação ou declaração de nulidade. Neste sentido, podemos observar as soluções que se encontram consagradas no art.67º/1 alíneas b) e c), que admitem que, contra um acto de recusa de um acto administrativo ou da apreciação de requerimento dirigido à prática de um acto administrativo, seja deduzido um pedido de condenação à prática do acto, e no art.66º/2, onde se estabelece que a eliminação da ordem jurídica do acto de indeferimento “resulta directamente da pronúncia condenatória” mediante a qual o tribunal imponha a prática do acto que tinha sido ilegalmente recusado.
Assim, no novo contencioso administrativo, a via adequada para reagir contra as situações de recusa ou omissão ilegal da prática de actos administrativos é a dedução de um pedido de condenação da Administração à prática do acto pretendido. O processo de impugnação deixa de ser a via mais adequada para reagir contra actos administrativos de indeferimento, dando lugar à condenação da prática de acto devido. Depois desta breve introdução vamos passar a analisar então, a questão da condenação da prática de acto devido.
Primeiro é importante referir que este tipo de condenação foi concebido pela lei a partir do preceito que se encontra consagrado constitucionalmente no art. 268º/4 da Constituição da República Portuguesa, introduzido pela revisão de 1997, nos termos do qual a garantia da tutela judicial efectiva dos direitos dos particulares haveria de incluir “a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”.
Contudo, a elaboração de uma acção condenatória pode ser considerada como uma opção legislativa, visto que se trata de uma possibilidade oferecida pela Constituição, e não de uma imposição, pois a “determinação” referida no próprio preceito admite outro tipo de soluções, como por exemplo, a pronúncia judicial declarativa ou a sentença substitutiva.
O pedido de condenação tem por base um acto administrativo que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado, art.66º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante C.P.T.A, e tem como finalidade condenar a entidade competente à prática, dentro de determinado prazo.
O conceito de acto “devido”, diz respeito àquele acto administrativo que deveria ter sido emitido e não foi, quer se esteja perante uma omissão ou perante uma recusa. Pode também entender-se por acto administrativo aquele que no momento da sua prática tenha sido não satisfaça uma pretensão, numa situação como esta, o particular tem também que impugnar o acto que considera ilegal, constituindo assim a condenação, um pedido cumulado na acção impugnatória.
Pode ainda admitir-se, que por outro lado e tendo em conta o C.P.T.A, o acto devido não tem que ser um acto estritamente vinculado perante a lei, podendo acolher momentos discricionários, desde que a sua emissão seja legalmente obrigatória.
Depois do que já foi referido, surge a questão de apurar se acto tem de ser legalmente devido ou se o meio da condenação pode ser utilizado para obter o cumprimento de um acto devido por efeito de contrato, de sentença ou mesmo de outro acto administrativo. Esta questão resulta da letra da lei que na sua referência a acto devido, no art.67º do C.P.T.A fala de “acto administrativo legalmente devido” e no art.66º de “acto ilegalmente omitido ou recusado”.
Para o Prof. José Carlos Vieira de Andrade, a obrigação legal deve ser entendida em sentido amplo, abrangendo a generalidade dos casos em que a omissão ou recusa sejam contrárias à ordem jurídica, excluindo somente as situações em que a prática do acto pretendido corresponda a um mero “dever de boa administração”.
Assim, além da obrigação legal abranger os casos em que a imposição decorre de uma norma constitucional, internacional ou comunitária, ou de um princípio jurídico aplicável, deve considera-se que serão sempre legalmente devidos, ou na formulação negativa, ilegalmente omitidos ou recusados, os actos administrativos cuja imposição resulte da prática de actos anteriores. Para além destes casos, surge uma dúvida maior, no que concerne a actos administrativos cuja prática represente o cumprimento de um dever contratual, mas também aqui a dúvida parece dissipar-se, pois os pedidos de condenação à prática de actos contratualmente devidos, seguem a forma da acção administrativa especial. Uma outra situação são os actos administrativos cuja prática seja imposta por decisão judicial, e aqui o meio adequado é o de execução da sentença.
No que toca às situações que levam à condenação da prática de acto devido, podemos começar por fazer alusão ao art.67º do C.P.T.A, que na sua essência parece exigir um procedimento prévio, da iniciativa do interessado, em regra, um requerimento dirigido ao órgão competente, com a pretensão de obter um acto administrativo. São situações típicas as seguintes:
- omissão da prática do acto requerido no prazo legalmente estabelecido para a decisão;
- recusa da prática do acto devido, ou seja, indeferimento expresso, total e directo, da pretensão substantiva;
- recusa de apreciação do requerimento.
Para além das situações enumeradas é possível ainda outras.
Os requisitos levam a crer que o pedido tem fundamentalmente um alcance subjectivista, destinado à satisfação de direitos ou interesses legalmente protegidos do autor, contudo verifica-se um alargamento de legitimidade à acção colectiva, à acção popular e até à acção pública.
Coloca-se a questão se é necessário respeitar sempre o “princípio da provocação”, ou seja, se é sempre necessário que a Administração tenha sido interpelada para a emissão de um acto administrativo, mesmo quando seja um acto cuja prática seja imposta directamente pela lei, designadamente no que concerne à iniciativa do processo pelo Ministério Público.
Também nos casos de incumprimento de deveres oficiosos concretos de prática de actos administrativos, o pedido deve ser admitido.
Assim, é possível afirmar que para além das três situações directamente previstas, o C.P.T.A acolhe também o pedido de condenação nos casos de inactividade oficiosa comprovada da Administração perante valores comunitários relevantes ou direitos dos particulares, bem como, embora em cumulação com o pedido impugnatório, as de indeferimento parcial ou indirecto da pretensão.
Tal como já foi enunciado, podemos assistir a um alargamento da legitimidade e é esse que vamos analisar agora, assim e com base no art.67º do C.P.T.A exige-se um pedido por parte do interessado, esse pedido pode ser apresentado por quem tenha a titularidade de direitos ou interesses legalmente protegidos dirigidos à emissão desse acto, e, quando se trate de deveres não oficiosos, o tenha requerido.
Além destes, podem também propor acção condenatória as pessoas colectivas, públicas ou privadas, em relação aos direitos ou interesses colectivos que representem, trata-se aqui da defesa de interesses colectivos, bem como os autores populares, incluindo o Ministério Público enquanto tal, para defesa de determinados valores comunitários, a que correspondem interesses difusos. E ainda, como já foi referenciado o Ministério Público, enquanto titular de acção pública, quando se trate de acto legalmente devido, desde que esteja em causa a defesa de direitos fundamentais ou de um interesse público especialmente relevante (art.68º/1 C.P.T.A), isto no que diz respeito à legitimidade activa.
Quanto à questão da legitimidade passiva, a lei determina que para além da entidade competente responsável pela omissão, são obrigatoriamente demandados os contra-interessados, determinando um litisconsórcio necessário (art. 68º/2 do C.P.T.A).
Depois de analisada a questão da legitimidade, passamos agora à análise do prazo de propositura da acção que é diferente consoante tenha havido inércia do órgão ou um indeferimento (art.69º C.P.T.A). Numa situação de omissão, o prazo é de um ano, contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto.
Numa situação de indeferimento, o prazo da acção é de três meses, o prazo aqui estabelecido é igual ao fixado para a impugnação do acto pelos interessados, isto verifica-se porque o indeferimento constituir um acto administrativo. Se tivermos em conta que a lei não distingue os casos de indeferimento, e se considerarmos que a razão de ser para esse prazo for o respeito pela estabilidade do acto administrativo, então não valeria quando se tratasse de acto nulo ou no âmbito de uma acção pública.
No que diz respeito aos casos de recusa de apreciação que não se encontram expressamente previstos, suscitam-se algumas dúvidas. No entanto, e partindo do princípio de que estamos perante uma lacuna, visto não se ter verificado indeferimento e, portanto, de não se ter formado um acto administrativo que possa tornar-se inimpugnável no prazo de três meses, deveria valer o prazo geral de um ano, embora o particular, dado que não chegou a haver uma decisão, pode sempre apresentar um novo requerimento, sem o entrave do art.9º/2 do Código do Procedimento Administrativo, ou seja, sem ter que esperar dois anos.
Podemos ainda assistir a uma alteração da instância quando, na pendência do processo, haja ou seja notificado um acto de indeferimento expresso ou seja praticado um acto que não satisfaça integralmente as pretensões do interessado, este pode ampliar a causa de pedir, mantendo o pedido anterior, ou então cumular o pedido com o da anulação ou de declaração de nulidade.
Por fim e tendo em conta tudo o que foi referido, a pronúncia do tribunal, em caso de procedência da acção, será sempre condenatória relativamente à pretensão material do interessado, mesmo nos casos em que se tenha verificado a omissão ou a mera recusa da apreciação (art.71º/1 C.P.T.A), apesar da lei não ser clara, deve concluir-se que perante um acto de indeferimento o juiz não tem de anular ou declarar nulo ou inexistente o acto, deve também aqui condenar o órgão à prática do acto.
Assim a condenação à prática do acto devido há-de resolver a questão levada a juízo pelo autor, e deve ser estabelecido o prazo em que deve ter lugar a pronúncia administrativa, identificando o órgão competente para a realizar. Quando o tribunal o entender justificado, pode determinar logo na sentença condenatória a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias ao titular do órgão em falta, para prevenir o incumprimento (art.66º/3 do C.P.T.A).

sábado, 24 de abril de 2010

O entendimento constitucional do contencioso administrativo

Na determinação do modelo de justiça administrativa importa averiguar, numa perspectiva dinâmica, qual é o entendimento constitucional do contencioso administrativo, partindo do texto originário de 1976 e suas subsequentes alterações.

No preâmbulo da versão originária da Constituição de 1976 considera-se o Estado português como um Estado de Direito Democrático, o que pressupõe o princípio da legalidade administrativa, a subordinação da actividade administrativa ao controle jurisdicional e a atribuição de direitos fundamentais aos cidadãos. Por outro lado, integram-se os tribunais administrativos no poder judicial e verifica-se a consideração da obrigatoriedade e prevalência das decisões dos tribunais, actualmente consagrada no art. 205º, nº2, a par da consagração, no art. 20º, do direito de acesso à justiça. Quanto à sua qualificação, este direito constitui um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias – art. 17º -, com eficácia imediata.

O artigo 268º, nº4, tal como resultou das revisões de 1989 e de 1997, consagra um direito fundamental de natureza análoga e encerra uma discussão doutrinária sobre se a definitividade e executoriedade, enquanto requisitos da recorribilidade do acto administrativo - que permaneciam previstos no então artigo 25 da LPTA -, se mantêm, atendendo às alterações que este preceito foi sujeito.

Um acto definitivo seria aquele que fosse, simultaneamente, horizontalmente definitivo – acto final do procedimento administrativo -, verticalmente definitivo – praticado pelo órgão que ocupa a posição suprema na estrutura hierárquica – e materialmente definitivo – definidor de uma situação jurídica. Nestas existências é que consistia o princípio da tripla definitividade. A executoriedade consiste na susceptibilidade de execução coerciva por via administrativa, de actos exequíveis e eficazes.

A versão originária do actual artigo 268º, nº4 – o artigo 269º, nº2 – garantia o recurso contencioso, com fundamento na ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios. O recurso contencioso estava dependente, primeiro, de um acto administrativo, segundo, de um acto administrativo cujos requisitos de definitividade e executoriedade estivessem preenchidos. Deste modo, o contencioso era manifestamente objectivo e limitado.

Com a revisão de 1982, o entendimento constitucional de um contencioso estrito de legalidade é alterado, ainda que de modo inibido ou indirecto. Para além de uma alteração a nível formal, que consistiu na consagração formal, no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa do Estado de Direito Democrático, alarga-se o âmbito da tipologia dos actos administrativos susceptíveis de recurso, através da consagração no nº3 do artigo 268º, de que a garantia funciona contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma. Na parte final do referido preceito insere-se a nova garantia contenciosa para reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido, o que representa um novo alargamento das garantias contenciosas.

Destas alterações é visível a evolução subjectivista, do entendimento do modelo de contencioso que abrangia o denominado recurso contencioso de anulação, desprendendo-se o recurso do monopólio da objectividade, imposto pela ditadura do acto administrativo. Com efeito, a redacção do novo art. 268º, nº3, consagra uma tutela jurisdicional autónoma, independente da existência de actos de autoridade, ou seja, contempla um contencioso de plena jurisdição, abrangendo os contratos e a responsabilidade contratual e extracontratual da Administração.

Com a revisão de 1989 o entendimento constitucional continua a sublinhar a vertente subjectivista do contencioso administrativo. Com esta revisão são eliminadas as referências constitucionais à definitividade e executoriedade como condições necessárias de procedibilidade do recurso. A recorribilidade do acto administrativo recai directamente na lesão do particular e não nas características formais da definitividade e executoriedade, não se excluindo, portanto, o recurso de actos que não obedeçam a este tipo. A alteração constitucional pretendeu assegurar o princípio do recurso contencioso dos actos lesivos dos direitos ou interesses dos particulares: o que se quer é que seja impossível negar um recurso contencioso contra um acto administrativo – Professor Rogério Soares. No entanto, o Professor Rogério Soares considera que o recurso contencioso imediato ou directo é inadmissível, ao contrário do que o Professor Vasco Pereira da Silva defende. Em 1989, consagra-se, assim, como causa de pedir a lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos.

O artigo 268º, nº5 – a revisão de 1997 fundiu os nºs 4 e 5, no nº4 -, consagra o princípio da garantia do direito de acesso à justiça administrativa para tutela efectiva das posições jurídico-administrativas dos particulares. Esta necessidade em assegurar uma protecção jurídica plena e efectiva dos cidadãos, recentra o critério da recorribilidade, que deixa de ser aferido pelas características do acto definitivo e executório, na lesão dos particulares, no âmbito da relação jurídico-administrativa. O que é determinante para a impugnação do acto administrativo é a verificação da sua susceptibilidade em provocar a lesão dos direitos ou interesses dos particulares.

A revisão constitucional de 1989 veio constitucionalizar a jurisdição administrativa, consagrando no artigo 211º, nº1, alínea b) – actualmente o artigo 209º - a existência do Supremo Tribunal Administrativo e dos demais tribunais administrativos, deste modo retirando a sua efectiva existência da dependência da vontade do legislador ordinário, como parecia decorrer do texto anterior. A competência dos tribunais administrativos é definida no artigo 214º, nº3 – actualmente no artigo 212º -, através da conexão material com a relação jurídico-administrativa.

Com a revisão de 1997 são alteradas, de novo, as garantias dos cidadãos perante a Administração, desenvolvendo-se a criação de um contencioso de plena jurisdição administrativa e de subjectivização de um sistema de natureza objectivista. Do novo enunciado constitucional, destaca-se a consagração expressa do princípio da tutela jurisdicional efectiva – na parte inicial do nº4 – que abrange os vários meios de acesso à justiça administrativa. Esta redacção veio atribuir uma protecção qualitativamente acrescida às garantias contenciosas, nomeadamente a acção para o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos e a impugnação de actos administrativos lesivos desses direitos ou interesses. Por outro lado, é garantido um novo meio processual para a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, bem como a adopção de medidas cautelares adequadas – artigo 268º, nº4, in fine. A admissibilidade de medidas cautelares em direito administrativo, assim como a impugnação de normas regulamentares – previstas no nº 5 do referido preceito -, contribuiu para o desenvolvimento de resultados garantísticos importantes para a posição subjectiva dos particulares na relação jurídico-administrativa.

Concluindo, o conceito de lesividade de direitos e interesses legalmente protegidos proporciona a cláusula de acesso à justiça administrativa, afastando os requisitos da definitividade e executoriedade. O que é relevante é a efectiva lesão da esfera jurídica do particular, e não a constatação se o acto administrativo é ou não definitivo e executório em sede da respectiva impugnação. O que importa é a sua capacidade – efeitos externos do acto – de perturbar de modo desfavorável – produzindo uma ofensa não justificada – posições jurídicas substantivas. Por fim, do nº4 do referido artigo, é retirada a alusão à ilegalidade como fundamento do recurso, dada a confirmação de um modelo de contencioso subjectivista, deste modo afastando-se primazia à verificação da ilegalidade, e com base na hierarquização discursiva dos meios processuais, que inverteu-se em relação à redacção anterior.


Marisa Ribeiro dos Santos A6 16781

O Modelo de Contencioso Alemão

No século XIX, com a invasão francesa, operam-se movimentos de reforma do sistema jurídico alemão, em parte derivados do sistema francês. Na altura, coexistiam dois tipos de modelo contencioso: o modelo Prussiano e o modelo dos Estados da Alemanha do Sul (sistema de Württemberg). O primeiro traduz-se num modelo objectivo, caracterizado por um sistema de garantias de reposição da legalidade. O segundo modelo, de cariz subjectivista, é caracterizado pela primazia da defesa dos direitos subjectivos ofendidos. Para a sedimentação do sistema alemão, em muito contribuiu a obra de Otto Mayer, com uma criação doutrinária essencial: a noção de acto administrativo, correspondente a uma ideia de acto de ingerência (Eingriffsrechtsakt). Otto Mayer preocupou-se com a integração do Estado de Direito da administração de polícia, aquela que tinha o poder de restringir dos direitos dos particulares.

A grande reestruturação do contencioso administrativo alemão ocorre na década de cinquenta, após a guerra e o período de ocupação. Na sequência da ocupação aliada, o sistema alemão foi bastante influenciado pelo sistema anglo-saxónico de administração judiciária. Os tribunais administrativos passam a ter consagração constitucional na Lei Fundamental da República Federal Alemã promulgada em 23 de Maio de 1949, ao mesmo tempo que se adopta o modelo subjectivista, típico dos estados da Alemanha do sul.

Depois da segunda Guerra Mundial, assistiu-se a uma evolução do Estado que consistiu na passagem de uma Administração agressiva dos direitos dos particulares – na Alemanha vigorou de 1933 a 1945 o princípio do Chefe (Führerprinzip), em detrimento do princípio da legalidade e de outros princípios jurídicos tradicionais – para uma Administração prestadora ou constitutiva. Essa função vem associada à satisfação das novas necessidades colectivas e torna-se a principal característica do Estado Social. O prolongamento da actividade administrativa nos domínios social, económico e cultural conduz à qualificação do Estado actual como Estado de Administração (Verwaltungsstaat), em coerência com a noção de Forsthoff do fornecimento dos serviços indispensáveis à vida. No estado de Direito Social combina-se a missão social e o estado de direito – Maurer. A ideia de Estado de Direito (Rechtsstaat), associada ao Estado Social, vai trespassar para os sistemas jurídicos europeus, dando lugar a uma plena jurisdicionalização da fiscalização da actividade administrativa.

A relação jurídico-administrativa ganhou relevância com o processo de plena jurisdicionalização da fiscalização da actividade administrativa e com a necessidade de tutelar espaços de protecção insuficiente – no caso das condutas omissivas. Antes da entrada em vigor – em 1 de Janeiro de 1977 (§ 103 VwVfg) – da Lei de Procedimento Administrativo da República Federal da Alemanha, de 25 de Maio de 1976, os tribunais administrativos centravam a sua apreciação no resultado final do procedimento administrativo – os actos ou os contratos –, na perspectiva da sua conformidade material, dispensando os aspectos procedimentais. Essa ampla margem de apreciação pelos tribunais da actividade da Administração está autorizada pelo artigo 19.IV da Grundgesetz que consagra o princípio da tutela judicial efectiva, em razão do qual quem sofra uma lesão nos seus direitos e interesses em consequência da acção do poder público, terá acesso aos tribunais. Com a entrada em vigor da Lei de Procedimento Administrativo da República Federal da Alemanha, a tutela dos direitos subjectivos ganha uma dimensão ampliada, quer na perspectiva da relação da administração com os administrados, quer no tipo de garantia que é proporcionada pela justiça administrativa desses direitos, ao acentuar a ideia ordenacional inclusa na relação jurídico-administrativa.


Marisa Ribeiro dos Santos A6 16781

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Sugestão de Fim-de-Semana (3); Observatório da Realidade

Este fim-de-semana sugiro uma notícia relativa a uma sentença que condena a Câmara Municipal do Porto a entregar dois terrenos a uma imobiliária. O texto é da autoria de Carla Sofia Luz e foi retirado da edição online do Jornal de Notícias.

Tribunal condena Câmara a dar lotes

Lameira Imobiliária vence batalha judicial e recebe dois terrenos nas Antas no valor de 1,8 milhões de euros

A Câmara do Porto perdeu nova batalha judicial e foi obrigada a entregar os dois terrenos prometidos à sociedade Lameira Imobiliária. O processo está relacionado com o Plano de Pormenor das Antas. As parcelas encontram-se avaliadas em 1,8 milhões de euros.

O Tribunal decidiu que a Autarquia tem de respeitar o acordo firmado no âmbito do Plano de Pormenor das Antas durante o mandato do socialista Nuno Cardoso, apesar da auditoria da Inspecção-Geral das Finanças, realizada em 2002, apontar para a ilegalidade da atribuição dos lotes, a título de indemnização. Os inspectores consideraram que essa compensação foi sobreavaliada devido à pequena margem de manobra da Câmara para negociar.

Esse entendimento levou o Município, liderado por Rui Rio, a suspender a entrega das duas propriedades com área superior a cinco mil metros quadrados à empresa. Os terrenos, voltados para as ruas de S. Roque da Lameira e dos Campeões Europeus de Viena, têm sido usados por automobilistas como parque de estacionamento informal.

Sentença das Areias

O Relatório de Gestão da Câmara do Porto relativo ao ano passado dá conta da sentença desfavorável à Autarquia, que determinou a cedência das duas parcelas à Lameira. Recorde-se que, já em 2008, a Justiça tinha condenado o Município a dar um lote na zona das Areias à construtora Soares da Costa pela mesma razão.

Para a concretização do Plano das Antas, a Câmara celebrou um protocolo com a Lameira Imobiliária onde ficou estabelecido que a sociedade receberia 40,3 mil metros quadrados de área bruta de construção após a operação de reparcelamento (o que sucedeu em 2003) e mais dois terrenos nas Antas como compensação pela transferência das instalações da empresa para outro local.

Como a Inspecção-Geral das Finanças entendia que, legalmente, não deviam ser pagas indemnizações por deslocação de actividade numa operação de reparcelamento, a Autarquia recusou-se a dar os lotes. O acordo com a Soares da Costa era semelhante. Mas o Tribunal decidiu a favor das duas empresas.

Dívida baixou em 2009

As contas de 2009 revelam que o passivo municipal baixou 5,6 milhões de euros em relação a 2008, totalizando 324,6 milhões. No capital em dívida também se verifica uma diferença de 17,2 milhões. Em 2008 ascendia a 150 milhões, enquanto, no final do ano passado, totalizava 132,9 milhões. O índice de endividamento utilizado é de 20,6%, ou seja, a capacidade de recurso à contratação de novos empréstimos bancários pelo Município supera os 88 milhões.

O relatório, que será votado terça-feira na Câmara, mostra uma quebra de 15,9 milhões na receita fiscal que continua a ser a principal fonte de receita da Autarquia. A diminuição deve-se, sobretudo, à redução dos proveitos com autorizações de operações urbanísticas no concelho (passou de 20,4 milhões em 2008 para nove milhões em 2009). O imposto sobre imóveis também rendeu menos 5,7 milhões. Ainda assim, registou-se um aumento de 7,1 milhões no valor da receita global do Município, que se situa nos 207,4 milhões de euros."

Recurso hierárquico necessário

Recurso hierárquico necessário
Entende-se por recurso hierárquico necessário a faculdade que o particular tem de impugnar um acto praticado por um subalterno junto do seu superior hierárquico. Segundo Marcelo Caetano o recurso hierárquico necessário consistiria em solicitar ao superior hierárquico ou a órgão que exercesse superintendência sobre o autor do acto impugnado a substituição ou revogação daquele. Destas noções depreende-se que o conceito de hierarquia está inerente ao recurso hierárquico necessário. O Professor Freitas do Amaral adianta três sentidos da noção de hierarquia:
• Objectivo - que diz respeito a um modelo de organização administrativa
• Subjectivo - hierarquia stricto sensu – como o conjunto de órgãos administrativos ordenados de determinada forma
• Relacional – correspondente a um vínculo de subordinação
Junto da figura do recurso hierárquico necessário iremos encontrar a de recurso hierárquico facultativo. Será facultativo o recurso sempre que incidir sobre um acto administrativo susceptível de impugnação jurisdicional. O recurso hierárquico é necessário ou facultativo para que os particulares possam reagir jurisdicionalmente contra uma determinada conduta administrativa. Independentemente de se tratar de recurso hierárquico necessário ou facultativo podemos identificar aspectos que são comuns a ambos, a título exemplificativo: relativamente aos pressupostos processuais, a competência do órgão ad quem, a legitimidade do recorrente, a recorribilidade do acto e a tempestividade do recurso. Quanto aos fundamentos, ambos podem ter como fundamento a ilegalidade ou a inconveniência do acto. Por sua vez, é possível identificar aspectos distintos nos seus regimes. Em relação ao recurso hierárquico necessário, o prazo de interposição é de 30 dias, enquanto que para o facultativo o recurso deve ser interposto no prazo para utilização dos meios de reacção contenciosa contra a acção recorrida. No concernente aos efeitos sobre o acto recorrido a interposição do recurso hierárquico necessário implica a suspensão, a interposição do facultativo não tem eficácia suspensiva.

Evolução constitucional do recurso hierárquico necessário Até à 2ª RC, em 1989, conferia-se aos particulares o direito de recurso contencioso contra actos administrativos definitivos e executórios; posteriormente a 1989 o artigo 268º da CRP deixou de fazer referência à necessidade de o recurso ser interposto contra actos administrativos definitivos e executórios para poderem ser interpostos recursos a quaisquer actos que sejam lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Ora, abandonado o critério da definitividade e adoptado o da lesividade do acto várias vozes se insurgiram quanto à constitucionalidade deste instituto e desta norma. Para um sector da doutrina, o legislador ordinário continuaria a estar livre de exigir a definitividade do acto, mediante legislação avulsa, entendendo, por isso, que a dualidade (recurso necessário/facultativo) continuaria a fazer sentido. Esta Doutrina é sustentada pelo Professor Freitas do Amaral bem como pelo Professor Vieira de Andrade. Para este sector doutrinário a exigência de impugnação administrativa era meramente ordenadora e não constituía um ataque aos direitos, liberdades e garantias dos particulares, nomeadamente o acesso ao tribunal. Para além disso, adianta que o número 4 do artigo 268º não impõe a abertura de um recurso contencioso imediato, apenas determina que a garantia contenciosa não se pode recusar quando existe um acto administrativo. No lado oposto situa-se a doutrina que entende que a alteração legislativa veio tornar o recurso hierárquico necessário inconstitucional, entre esta Doutrina encontra-se o Professor Vasco Pereira da Silva. Este autor considera que as previsões anteriores à RC de 89 caducaram por inconstitucionalidade superveniente e originariamente as criadas posteriormente. Considero que não se possa falar, no caso, de inconstitucionalidade, pois a figura em análise não afecta o direito ao acesso aos tribunais, apenas constitui um condicionamento que, aliás, é imposto pelo princípio da proporcionalidade. Deste modo o particular não deixa de ser protegido nem vê afectado o seu direito fundamental.
Passo agora a citar alguns dos argumentos que o Professor Vasco Pereira da Silva apresenta para justificar a sua opinião face à inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário:
• Violação do artigo 268º/4 da CRP, por negação do direito fundamental de recurso contencioso;
• Violação do princípio da desconcentração administrativa que implica a impugnabilidade dos actos dos subalternos, sempre que estes sejam lesivos;
• Violação do princípio da efectividade da tutela precisamente pelo efeito preclusivo da impugnabilidade da decisão administrativa no caso de não ter havido interposição de recurso hierárquico, no prazo de 30 dias
Para o Professor o legislador prevê a regra do recurso hierárquico facultativo, posição esta que é aceite tanto pela letra da lei como pela Jurisprudência dominante. A RC de 89 ao substituir o critério da definitividade pelo da lesividade retirou o suporte para que se pudesse afirmar a regra do recurso hierárquico necessário. Em suma, a letra da lei é clara, não obstante existir a possibilidade de leis avulsas virem impor a indispensabilidade de um recurso hierárquico necessário

Processo Administrativo como processo de partes

O Processo Administrativo pode ser estudado de duas prespectivas diferentes. De acordo com um modelo objectivista (Clássico modelo Francês), o qual é destinado à mera verificação da legalidade da actuação administrativa, não se reconhecendo direitos subjectivos às partes – quer a Administração quer o particular intervêm no processo apenas para colaborar com o tribunal, não actuando para a defesa de interesses próprios. Nesta prespectiva, o particular é um mero objecto do poder soberano, não lhe sendo reconhecidos direitos subjectivos perante a Administração. Trata-se de uma visão “actocêntrica” do direito administrativo, apenas preocupado com o interesse público e com os privilégios da Administração. Além do mais, neste modelo há uma certa promiscuidade entre a Administração e a Justiça, de tal modo que o juiz tem os seus poderes um pouco limitados, não existindo uma clara independência e imparcialidade do juiz. De acordo com uma concepção subjectivista (Modelo Alemão), quer o particular quer a Administração são vistos como partes no processo.

O Processo Administrativo não é um mero contencioso de legalidade, acolhendo-se uma lógica de separação entre a administração e a justiça. O objecto do processo já não é o acto administrativo mas sim o acto porquanto seja lesivo dos direitos dos particulares.Em Portugal, vivemos até à CRP de 1976 com um modelo objectivista. Contudo, actualmente o contencioso administrativo tem uma estrutura subjectivista / de partes (fruto, sobretudo, da Revisão de 2004). Desde logo, o Art.212º/3CRP consagra um modelo constitucional de um contencioso administrativo plenamente jurisdicionalizado e subjectivizado, modelo este destinado à protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares no âmbito das relações jurídicas Administrativas, colocando no centro do processo os direitos dos particulares – Art.268º/4CRP e Art.2ºCPTA. Quer a Administração, quer o particular estão na mesma posição processual, ambos são partes no processo Administrativo – princípio da igualdade efectiva da participação processual (Art.6ºCPTA) e princípio da cooperação e da boa fé processual (Art.8ºCPTA).Note-se que os poderes /deveres processuais das partes são destinados à tutela das posições jurídicas de vantagem dos particulares / Administração que integram a respectiva relação jurídica administrativa (entendida actualmente em termos amplos). A questão é que se considerarmos que a função principal do contencioso administrativo é uma função subjectiva, realizada pela intervenção dos sujeitos privados para protecção dos direitos subjectivos, não podemos, contudo, descorar a importância da função objectiva para tutela da ordem jurídica. O próprio CPTA no Art.9º consagra que além do sujeito privado que alegue a titularidade de um direito subjectivo/posição de vantagem, tem também legitimidade para intervir no processo o “actor público e o actor privado”, nas palavras do Prof. Vasco Pereira da Silva, para a defesa da legalidade e do interesse público, “independentemente de ter interesse processual na demanda”. Deste modo, procede-se a uma separação entre o que é a legitimidade para a defesa de interesses próprios – principal função do contencioso Administrativo e a legitimidade para uma acção pública/popular para defesa da legalidade e do interesse público, tendo ambas as funções um importante papel na nossa ordem jurídica. Ainda quanto às (des)vantagens podemos considerar que o modelo objectivista revela, de facto, grande preocupação com o interesse público, dando mais garantias de tutela da legalidade. Contudo, o modelo subjectivista virado para a protecção dos particulares, titulares de direitos perante a Administração, afigura-se mais ajustado às exigências da actual Administração que tem um âmbito de actuação multilateral, fruto da complexidade da organização administrativa, que acaba por envolver diversos entes públicos e privados numa concreta decisão.

Telma Varelas, subturma 6

Recurso Hierárquico Necessário

Actualmente, e após a reforma do contencioso administrativo no sentido da sua subjectação, o acto administrativo tem que ser entendido em sentido amplo. Quer isto dizer que compreende qualquer decisão destinada à produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (art. 120º CPA). Já não se deve entender o acto administrativo como sendo um acto definitivo e executório, manistação da autoridade da Administração,como entendia o Prof. Marcello Caetano mas, pelo contrário, deve abranger quer as actuações agressivas como as prestadoras ou infra-estaduais da Administração.
No que respeita aos actos administrativos impugnáveis temos, actualmente, uma realidade com contornos mais amplos. Assim sendo, actos administrativos são todos os que produzem efeitos jurídicos, mas impugnáveis contenciosamente são os que se apresentem como susceptíveis de afectar posições subjectivas dos particulares.

Verifica-se, deste modo, que com a reforma do contencioso administrativo ocorreu uma “abertura do contencioso administrativo”, concretizada nos arts. 202º e ss CRP e 268º/4 e 5 CRP, baseada na ideia de que a todo o particular deve corresponder uma tutela judicial e efectiva.
Ocorreu, então, um alargamento no que respeita à impugnabilidade dos actos administrativos, a qual passa a ser determinada em função da eficácia externa e da lesão dos direitos dos particulares (art.51º CPTA).
Ao nível constitucional o Direito Fundamental de impugnação de actos administrativos lesivos dos particulares, no âmbito de um contencioso administrativo juisdicionalizado, tendo este sobretudo uma natureza subjectiva, destinado a garantir uma utela integral e efectiva dos particulares encontra-se consagrado no art.268º/4.

Aspecto particularmente importante, actualmente, é a possibilidade de controlo judicial imediato dos actos dos subalternos, também densificado no art.268º/4 CRP. Com esta alteração, afastou-se a exigência de um recurso hierárquico necessário, o que de acordo com o Prof. Vasco Pereira da Silva tornou esta figura inconstitucional.
Veja-se que o Autor sempre defendeu a inconstitucionalidade da regra do recurso hierárquico necessário, considerando que este viola os princípios constitucionais da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (art.268º/4), o princípio da separação entre Administração e Justiça, por se fazer precludir o direito de acesso ao tribunal em resultado da não utilização de uma garantia administrativa e o princípio da efectividade de tutela.
Deste modo, o Autor entende que o recurso hierárico necessário é inconstitucional sendo que não deve existir entre uma lesão e o acesso aos tribunais um hiato temporal; além de que o art.268º/4 CRP permite ao particular recorrer ao tribunal para tutelar os seus direitos. Como tal, parece daqui resultar, em jeito de conclusão, o afastamento da necessidade de recurso hierárquico necessário ou de qualquer outra garantia administrativa, visto que o particular pode aceder de imediato à via contenciosa, independentemente de ter feito uso da via graciosa. De qualquer modo, ainda que o particular decida fazer uso da via administrativa, isso não pode condicionar a faculdade de suscitar a apreciação jurisdicional do litígio. Portanto, o Autor considera que todas as garantias administrativas são facultativas, não dependendo delas o acesso ao juiz.

Contudo, esta visão pode ser contraposta com uma outra, que a meu ver parece preferível, com o devido respeito.
É certo que actualmente o CPTA não exige que os actos administrativos hajam sido objecto de prévia impugnação administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa. Dos arts. 51º e 59º/4 e 5 CPTA decorre então que, por regra, a utilização das vias de impugnação administrativa não é necessária para aceder à via contenciosa.
Portanto, na ausência de determinação legal em sentido contário, deve entender-se que os actos administrativos com eficácia externa são imediatamente impugnáveis perante os Tribunais Administrativos.

A questão que se suscita é que em casos expressamente previstos na lei e por decisão do legislador, existem decisões administrativas que continuam a estar sujeitas à impugnação administrativa necessária.
Perante esta situação, acompanhando o Prof. Vieira de Andrade e o Prof. Aroso de Almeida, deve entender-se que quando a lei o previr, continua a aplicar-se o recurso hierárquico necessário, tendo existido apenas uma inversão da regra, no sentido em que passámos para um recurso facultativo, entendendo-se que em determinados casos, a impugnação administrativa já não é uma diligência indispensável à posterior impunação judicial, mas apenas uma tentativa de levar a própria Administração a satisfazer a pretensão do interessado.
Assim sendo, quando a lei o prevê, este tem obrigatóriamente que ser observado, sob pena de já não ser mais possível o acesso à via judicial.
Devemos ainda ter pesente que a principal consequência da interposição de um recuso hierárquico é a suspensão da eficácia do acto recorrido (at.59º/4 CPTA e arts. 163º/1 e 170ºCPA), o que efectivamente pode configurar-se como sendo uma vantagem. Ora vejamos: quando utilizada, o prazo para impugnação contenciosa só volta a correr depois da decisão do seu pedido de reapreciação do acto administrativo e é um meio de reacção mais fácil e barato, proporcionando vantagens práticas, sendo que o recurso hierárquico obriga a que o superior hierárquico se pronuncie sobre o caso, evitando a impugnação judicial e as despesas inerentes.

A questão já chegou várias vezes ao STA, o qual reconheceu que esta questão não é pacífica. Tem sido entendimento dominante que só existe inconstitucionalidade se o recurso imposto por lei para alcançar a via contenciosa restringir intolerávelmente o direito de acesso ao tribunal ou prejudicar desproporcionadamente a tutela judicial efectiva dos cidadãos.

Portanto, com a entrada em vigor do CPTA em 2004, que apenas se limitou a concretizar a norma constitucional (art.268º/4), a questão não sofreu alterações de fundo e, como tal, não há incompatibilidade com o preceito constitucional, mesmo que existam normas que ainda prevejam impugnações administrativas necessárias. Estas não restringem o acesso aos tribunais (art.20º CRP) nem violam o direito à tutela judicial efectiva (art.268º/4), sendo que o administrado pode sempre impugnar contenciosamente a eventual decisão desfavorável da impugnação administrativa.

Deste modo, tem sido entendimento do STA que o CPTA, concretizando preceitos constitucionais, procedeu a um alargamento da garantia do recuso contencioso a quaisquer actos administrativos lesivos de direitos e interesses dos administrados, invertendo a regra do recurso hierárquico necessário para o recurso facultativo, permitindo ao administrado só impugnar o acto contenciosamente, só impugnar administrativamente ou recorrer a ambos os mecanismos.

Considerando todos os argumentos apresentados, considero que se deve entender que, de facto, houve uma mudança de paradigma: a regra, actualmente, é o recurso hierárquico facultativo. Mas isso não põe em causa as disposições legais que ainda prevejam a impugnação administrativa necessária, até porque essas normas não foram objecto de revogação pelo CPTA e, como tal, considero que o recurso hierárquico necessário ainda desempenha uma função relevante no nosso ordenamento jurídico.


Telma Varelas, subturma 6

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Recurso Hierárquico Necessário

O meio de impugnação de um acto administrativo praticado por um órgão subalterno, perante o respectivo superior hierárquico, a fim de obter a revogação ou a substituição do acto recorrido designa-se de Recurso Hierárquico.
O recurso hierárquico tem sempre uma estrutura tripartida: a) o recorrente (que é o particular que interpõe o recurso); b) o recorrido (que é o órgão subalterno de cuja decisão se recorre); c) e a autoridade de recurso (órgão superior para quem se recorre). São pressupostos para que possa haver um recurso hierárquico: primeiro, que haja hierarquia; que tenha sido praticado um acto administrativo por um subalterno; e que esse subalterno não goze por lei de competência exclusiva. Fora destes pressupostos não há recurso hierárquico.
Em sede de recursos, temos os recursos contenciosos e os recursos graciosos. Ambos são regulados pelo mesmo direito; ambos são meios de impugnação de actos de autoridade. Contudo, existem nítidas diferenças de natureza, enquanto que os recursos graciosos se integram na função administrativa, os recursos contenciosos pertencem à função jurisdicional. Quanto aos fundamentos, os recursos graciosos podem possuír por fundamento a ilegalidade, a injustiça ou a inconveniência do acto recorrido; enquanto que os recursos contenciosos tem apenas como fundamento a ilegalidade. Por último, em relação à natureza da decisão, os recursos graciosos decidem-se por acto administrativo, os recursos contenciosos, por sua vez, decidem-se por sentença.
A questão aqui coloca-se quanto ao recurso hierárquico necessário, questão esta que gera alguma discussão na doutrina.
O recurso hierárquico necessário deixou de ser previsto no CPTA, mas para os ilustres professores Vieira de Andrade e M. Aroso de Almeida, isto não significa que o recurso hierárquico necessário deixasse de existir, pois para estes autores o recurso existe, só que a regra agora é que ele é facultativo. As decisões administrativas continuam estar sujeitas a impugnação administrativa necessária nos casos em que isso esteja expressamente previsto na lei, em resultado de uma opção consciente e deliberada do legislador, quando este a considere justificada. O CPTA não exige, assim, em termos gerais, que os actos administrativos tenham sido objecto de prévia impugnção administrativa para que possam ser objecto de impugnação contenciosa.
Entendimento diferente tem o ilustre professor Vasco Pereira da Silva, pois para este autor o recurso hierárquico necessário é inconstitucional, apesar da jurisprudência se pronunciar no sentido da não inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário ( Acordão do Tribunal Constitucional n. 499/96). Defendendo esta tese, podemos afirmar que o recurso hierárquico necessário de certa forma não protege os particulares, pois não há hipótese de recorrer ao tribunal e até certo ponto podemos dizer, que se põe em causa o Princípio da Separação de Poderes, ou seja, configura a violação do princípio da separação entre a administração e a justiça (art. 205º e ss., 266º e ss da CRP), dado que faz precludir o direito de acesso ao tribunal.
Em conclusão, é comum dizer-se, nos círculos universitários, que o CPTA "revogou" a "regra geral" do recurso hierárquico necessário introduzindo o recurso hierárquico facultativo. O particular continua a dispor precisamente das mesmas garantias graciosas administrativas, tem é mais opções para entrar na via contenciosa. E caso siga a via contenciosa poderá ter pela frente um longo calvário a percorrer, desde os tribunais de círculo aos tribunais de recurso, como o Tribunal Central Administrativo e o próprio Supremo Tribunal Administrativo. Poderá ficar por aqui, caso nao ergam inconstitucionalidades à espera de um acórdão do Tribunal Constitucional. Se isso acontecer a viagem será mais longa, ultrapassará fronteiras nacionais e chegará ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, e aí se irá decidir o caso.
Tarefa 1
Modelo francês "na actualidade"

Na esteira do Professor Vasco Pereira da Silva esta é a fase da "confirmação ou do crisma" do Contencioso Administrativo. Podendo ser dividida em dois períodos: o da constitucionalização e o da europeização.
Em relação ao primeiro período, em França, a jurisdicionalização plena do Contencioso Administrativo que ia sendo realizada pelo Conselho de Estado - que possuía grande importância no seio das instituições públicas e uma excelente qualidadenos seus acórdãos - só termina com o auxílio da jurisprudência constitucional.
É o Conselho Constitucional que reconhece e consagra que o Contencioso Administrativo é tarefa a realizar por verdadeiros tribunais, ao invés de órgãos dependentes da Administração, e que os particulares gozam de direitos de acesso ao processo para defesa das suas posições subjectivas face á Administração. Neste campo foram decisivas duas sentenças do Tribunal Constitucional, a primeira de 22 de Julho de 1980 na qual o Conselho Constitucional equipara a natureza da jurisdição administrativa com a da ordinária, e estabelece que "a independência dos juízes é um princípio que possui valor constitucional, tal como o afirma a Constituição no seu artigo 64º, Nº1, se se tratar de magistrados comuns", se se tratar da jurisdição administrativa então valerá como princípio fundamental subjacente ás "leis da República"; a segunda data de 23 de Janeiro de 1987 e nela é associada, pelo Conselho Constitucional, a vertente jurisdicional à dimensão subjectiva do Contencioso Administrativo, afirmando que "a anulação ou a reforma das decisões tomadas pelas autoridades administrativas, no exercício dos poderes públicos, figura também entre os "princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República".
É a afirmação de um novo paradigma segundo o qual o acesso à justiça é pensado como direito subjectivo e é conferido, a cada pessoa, um valor primordial no direito de acesso à justiça.
Também as reformas legislativas do Contencioso Administrativo francês tiveram peso relevante nesta "viragem", sendo de destacar a Lei de 16 de Julho de 1980 que cria condições para a efectividade das sentenças dos tribunais administrativos e a Lei de 31 de Dezembro de 1987 que procede à criação de uma instância jurisdicional intermédia na organização dos tribunais administrativos.
No tocante ao segundo período é de destacar a "descoberta" de princípios fundamentais do Processo Administrativo, que têm por base a Constituiçâo ou o Direito Europeu e transformações processuais de meios principais e cautelares, introduzidas através de via legislativa.
São de salientar de entre os princípios fundamentais o direito de acesso à Justiça Administrativa (artigos 6º e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e como corolário deste direito reconhece-se também, atarvés da jurisprudência francesa, o direito a um processo equitativo tendo como base o Direito Europeu (artigo 6º, nº1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e artigo 47º, §2º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE), bem como o direito ao julgamento por um tribunal independente e imparcial (artigos 6º, nº1 da CEDH e 47º §2º da Carta dos direitos fundamentais da UE).
Ao nível das transformações do Processo Administrativo, por via legislativa, salienta-se a atribuição aos tribunais administrativos de poderes de injunção em procedimentos cautelares; consagração do dever de fundamentação das decisões administrativas.
Com a afirmação desta nova realidade legislativa em que o juíz goza de plenos poderes perante a Administração, por um lado, multiplicam-se os meios processuais complexos , em que aproveitam para dar origem a formas de protecção mais completas em que os juízes gozam de plenos poderes, por outro lado, há a necessidade de considerar a "eficácia ultra-constitutiva" das sentenças de anulação.
A reforma de 2000, vem criar um regime para situações de urgência, "colocado nas mãos" dos tribunais de primeira instância, englobando três processos cautelares (de suspensão, de injunção e de conservação) capazes de oferecer, aos administrados, garantias equivalentes às do processo civil.
Quanto à execução, foram criados mecanismos sancionatórios específicos (sanções pecuniárias compulsórias) para coagir a Administração quando esta está em falta perante o cumprimento das sentenças.
Com a europeização do Contencioso Administrativo francês conseguiu-se a implantação de um sistema jurisdicionalizado que tem em vista a protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares face à Administração Pública.

Ana Cristina Magalhães
nº16455 sub6

Tarefa

O recurso hierárquico necessário tornou-se mesmo desnecessário ou ainda desempenha alguma função relevante?

O art. 51º nº 1 CPTA consagra a regra da impugnabilidade do acto administrativo em razão da eficácia externa e da lesão dos direitos dos particulares, como concretização do art.268º nº 4 CRP, da qual resulta um afastamento expresso de qualquer exigência de recurso hierárquico necessário.
Já antes da Reforma, e ao contrário do entendimento dos Professore Vieira de Andrade (in “Em defesa do recurso hierárquico necessário”,CJA Novembro/Dezembro 1996), o Professor Vasco Pereira da Silva defendia a inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário com base na violação de disposições constitucionais como os princípios da plenitude e da efectividade da tutela dos direitos dos particulares (art.268º nº4 CRP), do princípio da separação entre a Administração e a Justiça e o princípio da desconcentração administrativa (art.267ºnº2CRP).

Actualmente:

  • O CPTA não faz qualquer referência expressa ou tácita à necessidade de prévia interposição de uma garantia administrativa para o uso de meios contenciosos, ao contrário do que acontecia antes da Reforma, que previa a admisibilidade de impugnação contenciosa apenas quando o acto fosse verticalmente definitivo (“acto definitivo e executório” na expressão da LPTA e da doutrina objectivista do Professor Marcello Caetano)
  • O art.59ºnº4 determina que a utilização das garantias administrativas suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, pelo que me parece que reside aqui mais um argumento para a transformação do recurso hierárquico necessário em facultativo ou útil, ou seja, trata-se apenas de mais uma forma de garantia do particular (que é da vontade de escolha do particular)
  • Segundo o art.59ºnº5, o particular pode lançar mão da impugnação contenciosa, apesar de ter utilizado previamente uma garantia administrativa, pelo que é mais uma vez afastada a necessidade de recurso hierárquico necessário.

Toda esta argumentação bastaria, se não existisse uma parte da doutrina (Prof.Vieira de Andrade e Prof.Mário Aroso de Almeida), bem como o Supremo Tribunal Administrativo, a fazer uma interpretação restritiva do regime do CPTA, no sentido de a não exigência de recurso hierárquico necessário servir apenas como regra geral , pelo que existiriam regras especiais que afastariam tal regra geral.
Refutando esta tese, o Prof.Vasco Pereira da Silva adopta o seguinte raciocínio (sem prejuízo de outros argumentos apontados pelo Professor): se o recurso hierárquico já não é mais necessário para que o particular impugne contenciosamente, e se esta era a única função do recurso hierárquico necessário antes da Reforma, então é um absurdo falar em situações especiais de exigência de recurso hierárquico necessário. Assim, existindo uma inconstitucionalidade da exigência de recurso hierárquico necessário (face ao art.268ºnº4CRP), essas normas especiais caducariam, pelo menos quanto a esse efeito do recurso hierárquico (des)necessário. O Professor Vasco Pereira da Silva sugere no entanto (pelo sim, pelo não) uma revogação expressa das disposições avulsas que prevêm o recurso hierárquico necessário, por uma questão de segurança jurídica.
Em jeito de conclusão, assistiu-se a uma “metamorfose do recurso hierárquico no contencioso administrativo, que passou de necessário a útil” e que passou de (in)constitucional a inconstitucional. Poder-se-ia dizer que a única utilidade na manutenção do recurso hierárquico necessário seria uma utilidade para a Administração, baseada na tendência que esta tem para confirmar as decisões anteriormente por si proferidas, ao passo que o juíz (na impugnação contenciosa) traz para o exame do processo a sua imparcialidade