sábado, 17 de abril de 2010

A legitimidade no Processo Administrativo

O acesso ao direito e a sua tutela jurisdicional efectiva, enquanto direito fundamental dos administrados, está consagrado na Constituição da República Portuguesa no seu artigo 20º.
Como concretização deste direito geral á protecção judicial, a Constituição consagra no seu número 4 do artigo 268º, o núcleo essencial da justiça administrativa, o princípio da tutela jurisdicional efectiva dos cidadãos perante a Administração Pública.
Para este efeito, há um direito específico de acesso á justiça administrativa que é assegurado por um processo administrativo, o que para a sua verificação terão de ser respeitadas, as chamadas, condições de procedibilidade.
Uma dessas condições é o pressuposto quanto aos sujeitos, onde nos cabe falar da legitimidade das partes. Encontramos esta matéria prevista no capítulo II do título I (Parte geral) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos nos artigos 9º e 10º, e no capítulo II do título III (Da acção administrativa em especial) no artigo 55º do já referido Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante designado CPTA.

Antes de mais cabe referir que no âmbito desta matéria, o Contencioso Administrativo apresenta duas funções, uma função subjectiva e uma outra função objectiva, de que falaremos mais adiante, sendo a função subjectiva a mais predominante.

Em primeiro lugar, o critério para aferir a legitimidade dos sujeitos na relação processual estabelecido pelo CPTA, é o da posição que assumem manifestada a propósito da alegação que apresentam referente aos seus direitos e deveres na relação material.
Deste modo, e em segundo lugar, relativamente à legitimidade activa prevista no número 1 do artigo 9º do CPTA, considera-se que o autor é parte legítima “quando alegue ser parte na relação material controvertida”, ou seja, quando alegue ser titular de um ou mais direitos subjectivos.
Contudo, poder-se-á colocar aqui a questão de saber: mas então, qual é que deve ser a posição jurídica substantiva ocupada pelos particulares frente á Administração? Bastaria afirmar um direito subjectivo? Um interesse legítimo? Ou pelo contrário, um interesse difuso?
Como entende o professor Vasco Pereira da Silva no seu manual “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise”, basta a alegação plausível do autor de que é titular da posição jurídica subjectiva. Ou seja, na opinião do professor Vasco Pereira da Silva, não se justifica distinguir interesse subjectivo de interesse legítimo e interesse difuso, fruto de uma “infância difícil” do Direito Administrativo. E isto porquê?

Então vejamos, se o que interessa mesmo é que o privado alegue ser titular de uma posição jurídica subjectiva, de uma posição de vantagem, para poder fazer valer o seu direito em acção e daí retirar utilidade da decisão do tribunal, mesmo que não fosse ainda titular mas houvesse já um interesse por ter um direito lesado, ainda que não de forma concluída, haveria necessidade de proceder a estas distinções?
E mais, saber se verdadeiramente o privado é titular de um direito de facto pertence só depois ao fundo da causa. Portanto, o professor Vasco Pereira da Silva trata de forma unitária a concepção referente á posição jurídica dos indivíduos ao entender que, em qualquer dos casos, estamos sempre perante um direito subjectivo, aquele que dará ao privado uma situação de vantagem perante a Administração.
É portanto o autor parte legítima “quando alegue ser parte na relação material controvertida” (art. 9º/1 CPTA).
Acresce ainda quanto a este ponto que, em qualquer destas três situações, de um direito subjectivo, interesse legítimo e interesse difuso, haveria sempre como objectivo para o particular alcançar uma situação de vantagem, não passando portanto estas distinções apenas de uma diferente técnica jurídica utilizada.

A lei admite também, genericamente, como sujeitos activos todos aqueles previstos no número 2 do artigo 9º do CPTA, os cidadãos, associações, fundações, autarquias locais e o Ministério Público, a fim se assegurar a tutela da legalidade e do interesse público. Esta é uma circunstância designada por, e nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE, acção popular social. Aqui podemos então falar da função objectiva já referenciada anteriormente por oposição á função subjectiva, que enquanto esta última visa por intervenção dos particulares obter uma protecção dos seus respectivos direitos privados, já a primeira procura ao lado dos privados, através do autor público e o autor popular, defender a legalidade e o interesse público - de valores constitucionalmente previstos (art. 53º nº 3 a) e b) CRP) – o que significa que, para um sujeito ser titular de legitimidade popular tem de:

1)Ver um interesse objectivo violado;

2)Provocar danos na esfera jurídica ou então,

3)Demonstrar que pode um dia vir a ser potencialmente afectado por um dano;

Este caso do número 2 do artigo 9º do CPTA é especial face ao número 1 do mesmo artigo visto dispensar o interesse directo em demandar.
Contudo, há que referir que, apesar dos estrangeiros e apátridas residentes em território nacional gozarem do direito de acção para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos por via do artigo 9º\1, não gozam de legitimidade popular deste 9º\2 porque não são cidadãos nacionais. No entanto, se se tratar de cidadãos de um país da União Europeia com residência em Portugal, entendem os autores MARIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, dever se admitir a sua legitimidade para a tutela de interesses e bens que sejam objecto de protecção pelo direito comunitário – como exemplo o ambiente – nomeadamente se relacionadas com questões de âmbito autárquico, dado o direito que lhes é reconhecido de participarem na vida “política” autárquica.
Devemos conjugar o artigo 9º nº2 com o disposto na Lei n.º 83/95 (acção popular) e na Lei 11/87 (Lei de bases do ambiente).

Temos também, só que agora no âmbito da acção administrativa especial, a denominada “acção popular local” (ou “correctiva”) prevista no artigo 55º nº 2 do CPTA, que prevê a legitimidade que qualquer um freguês tem para impugnar a prática de actos resultantes de deliberações (de órgãos colegiais) e decisões (de órgãos singulares) tomadas por órgãos de autarquias locais, de órgãos de entes que actuam administrativamente sob “mandato” autárquico e de entes criados pelas autarquias locais, etc., para o exercício de serviços da competência e titularidade autárquica, sem que para tal o “popular” tenha um interesse directo e pessoal, desde que para defesa da legalidade e do interesse público.
Ainda na alínea f) do nº1 do artigo 55º do CPTA, a chamada “acção popular administrativa” que nos remete para o já falado artigo 9º nº2 do CPTA.

Deste modo, e para o professor Vasco Pereira da Silva, a acção popular representa uma forma de alargamento da legitimidade que acresce á protecção jurídica subjectiva, desenvolvendo a, já referida, vertente objectiva do contencioso administrativo.

Ainda no âmbito da acção administrativa especial, temos no número 1 do artigo 55º do CPTA a regra que confere legitimidade activa para impugnar actos administrativos a:

a)Quem seja titular de um interesse directo e pessoal, designadamente (mas não necessariamente) por ter sido lesado pelo acto nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos;

O que significa que, quem retire imediatamente (directamente) da anulação ou declaração de nulidade uma vantagem , um benefício específico ou uma utilidade para a sua esfera jurídica (pessoal) é parte legítima activa sem que tenha de invocar a titularidade de uma posição jurídica subjectiva lesada (art. 55 nº1 a)). Por outras palavras, há interesse processual numa acção particular quando o autor, através da anulação do acto, retire “uma qualquer utilidade ou vantagem dignas de tutela jurisdicional”, ligadas ao “aproveitamento do bem” referente á posição jurídica violada (Acórdão do STA de 13 de Janeiro de 2004, proc. Nº 1761/02).


b)Ministério Público;

Tem o Ministério Público legitimidade para impugnar um acto administrativo em defesa da legalidade (art. 55º nº1 b)).


c)Pessoas colectivas públicas e privadas, quanto aos direitos e interesses que lhes cumpre defender;

No que respeita às pessoas colectivas públicas, estarão aqui em causa, relações inter-administrativas, entre diferentes sujeitos públicos lesados no círculo de interesses próprios (públicos) cuja prossecução lhe tenha sido legalmente cometida por actuação de outras Administrações. Como exemplo, o acto camarário que ordene a demolição de certos imóveis municipais afectos á instalação de conservatórias do registo civil ou do registo predial pode ser impugnado pelo Ministro da Justiça, por afectar interesses compreendidos no âmbito das suas atribuições.
A alínea c) deste artigo 55º/1 do CPTA confere também legitimidade às pessoas colectivas privadas quanto aos interesses que lhes cumpra defender (privados ou públicos), interesses determinantes para a constituição dos entes colectivos. Por exemplo, a DECO pode impugnar um acto administrativo que afecte os interesses dos consumidores. É um caso de defesa (colectiva) de direitos e interesses colectivos.
Mas podemos estar também perante uma defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos, quando estiver em causa determinações administrativas de efeitos múltiplos lesivas da posição dos membros dessas pessoas colectivas privadas (em princípio de carácter associativo).
Fica portanto de fora aquelas situações em que está em jogo no processo apenas a defesa individual de interesses individuais, não se admitindo aí legitimidade do ente colectivo (art. 55º nº1 c)).


d)Órgãos administrativos (singulares ou colegiais) podem impugnar actos administrativos de outros órgãos da mesma pessoa colectiva (litígios inter-orgânicos);

Está aqui em causa permitir a cada órgão defender a sua esfera de competência (ou interesses próprios), violada pela actuação (activa ou omissa) de outros órgãos da mesma pessoa colectiva. O interesse na demanda há-de fundar-se na lesão do círculo de interesses públicos cuja defesa caiba ao órgão em causa (art. 55º nº1 d)).


e)Presidentes dos órgãos colegiais em relação a actos do respectivo colégio, ou a outras autoridades, nos casos previstos na lei, quanto esteja em causa a defesa da legalidade.

Temos aqui uma concretização da disposição do nº 4 do artigo 14º do CPA, na medida em que a legitimidade para impugnar os actos administrativos de órgãos colegiais é restrita aos presidentes (ou a quem os substitua a cargo), não abrangendo os restantes membros do colégio.
Á semelhança do Ministério Público, o presidente do órgão colegial funciona aqui como defensor do interesse da pessoa colectiva na legalidade administrativa, não precisando invocar qualquer interesse funcional na causa.
Tem também legitimidade para impugnar actos administrativos quaisquer outras autoridades a quem estejam legalmente cometidas “competências específicas de fiscalização”, nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE, de legalidade administrativa independentemente de qualquer interesse funcional na questão (art. 55º nº1 e)).


f)Pessoas e entidades do artigo 9º/2;

Confere legitimidade activa às pessoas mencionadas no artigo 9º/2 para os processos de impugnação de actos administrativos que respeitam aos bens e valores constitucionais aí referidos (art. 55º nº1 f)).


Podemos apontar em terceiro lugar, e na sequência deste tema, a legitimidade passiva, na qual tem como critério para sua aferição, já referido anteriormente a propósito da legitimidade activa, o da relação material controvertida previsto no número 1 do artigo 10º do CPTA. Neste caso, a legitimidade passiva caberá a uma pessoa colectiva pública, a sujeitos ou pessoas colectivas privadas, quando pela sua actividade desenvolvida sejam equiparados a entidades públicas (concessionários) ou quando estivermos perante uma inércia administrativa na qual uma entidade pública não possa ou não queira utilizar os seus poderes de actividade, desde que prejudicados directamente com a procedência do pedido.
No mesmo sentido, só que já no âmbito da acção administrativa especial, temos os designados, sob a epígrafe do artigo 57º do CPTA, contra-interessados, uma denominação distinta daquela da parte geral para designar os sujeitos processuais enquanto parte passiva.

Há que considerar ainda o disposto no número 2 do artigo 10º do CPTA que vem reforçar a ideia de que a Administração é parte no processo e não uma “autoridade recorrida”, ao ser atribuída personalidade judiciária, no caso do Estado, aos Ministérios, se os actos forem da autoria de um órgão integrado numa estrutura ministerial, e num outro caso, aos órgãos administrativos no caso de haver impugnação de um acto administrativo por outro órgão da mesma pessoa colectiva (art.10º/6 CPTA). Aqui a acção é instaurada contra o próprio órgão autor do acto impugnado - não contra a pessoa colectiva em que este se integra, o que faz excepção á regra geral do número 1 do artigo 10.º/6 do CPTA.

Ana Cláudia Mendez, sub-turma 6

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