quinta-feira, 22 de abril de 2010

Tarefa

O recurso hierárquico necessário tornou-se mesmo desnecessário ou ainda desempenha alguma função relevante?

O art. 51º nº 1 CPTA consagra a regra da impugnabilidade do acto administrativo em razão da eficácia externa e da lesão dos direitos dos particulares, como concretização do art.268º nº 4 CRP, da qual resulta um afastamento expresso de qualquer exigência de recurso hierárquico necessário.
Já antes da Reforma, e ao contrário do entendimento dos Professore Vieira de Andrade (in “Em defesa do recurso hierárquico necessário”,CJA Novembro/Dezembro 1996), o Professor Vasco Pereira da Silva defendia a inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário com base na violação de disposições constitucionais como os princípios da plenitude e da efectividade da tutela dos direitos dos particulares (art.268º nº4 CRP), do princípio da separação entre a Administração e a Justiça e o princípio da desconcentração administrativa (art.267ºnº2CRP).

Actualmente:

  • O CPTA não faz qualquer referência expressa ou tácita à necessidade de prévia interposição de uma garantia administrativa para o uso de meios contenciosos, ao contrário do que acontecia antes da Reforma, que previa a admisibilidade de impugnação contenciosa apenas quando o acto fosse verticalmente definitivo (“acto definitivo e executório” na expressão da LPTA e da doutrina objectivista do Professor Marcello Caetano)
  • O art.59ºnº4 determina que a utilização das garantias administrativas suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, pelo que me parece que reside aqui mais um argumento para a transformação do recurso hierárquico necessário em facultativo ou útil, ou seja, trata-se apenas de mais uma forma de garantia do particular (que é da vontade de escolha do particular)
  • Segundo o art.59ºnº5, o particular pode lançar mão da impugnação contenciosa, apesar de ter utilizado previamente uma garantia administrativa, pelo que é mais uma vez afastada a necessidade de recurso hierárquico necessário.

Toda esta argumentação bastaria, se não existisse uma parte da doutrina (Prof.Vieira de Andrade e Prof.Mário Aroso de Almeida), bem como o Supremo Tribunal Administrativo, a fazer uma interpretação restritiva do regime do CPTA, no sentido de a não exigência de recurso hierárquico necessário servir apenas como regra geral , pelo que existiriam regras especiais que afastariam tal regra geral.
Refutando esta tese, o Prof.Vasco Pereira da Silva adopta o seguinte raciocínio (sem prejuízo de outros argumentos apontados pelo Professor): se o recurso hierárquico já não é mais necessário para que o particular impugne contenciosamente, e se esta era a única função do recurso hierárquico necessário antes da Reforma, então é um absurdo falar em situações especiais de exigência de recurso hierárquico necessário. Assim, existindo uma inconstitucionalidade da exigência de recurso hierárquico necessário (face ao art.268ºnº4CRP), essas normas especiais caducariam, pelo menos quanto a esse efeito do recurso hierárquico (des)necessário. O Professor Vasco Pereira da Silva sugere no entanto (pelo sim, pelo não) uma revogação expressa das disposições avulsas que prevêm o recurso hierárquico necessário, por uma questão de segurança jurídica.
Em jeito de conclusão, assistiu-se a uma “metamorfose do recurso hierárquico no contencioso administrativo, que passou de necessário a útil” e que passou de (in)constitucional a inconstitucional. Poder-se-ia dizer que a única utilidade na manutenção do recurso hierárquico necessário seria uma utilidade para a Administração, baseada na tendência que esta tem para confirmar as decisões anteriormente por si proferidas, ao passo que o juíz (na impugnação contenciosa) traz para o exame do processo a sua imparcialidade

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