terça-feira, 13 de abril de 2010

O processo administrativo como processo a um acto ou processo de partes
Esta questão é de extrema relevância, visto que a tomada de posição entre um ou outro modelo tem implicações na resolução de problemas relativos à posição dos particulares e da Administração na Justiça Administrativa.
Uma das características típicas do modelo francês (que predominou no continente europeu e se desenvolveu a partir da Revolução de 1789) é a fixação de um regime processual de natureza fundamentalmente objectivista, considerando-se o recurso de anulação (que é hoje em dia a impugnação de acto administrativo) como um processo feito a um acto, ou como um conflito a propósito de um acto, destinado a fiscalizar a legalidade em primeira linha e onde os recorrentes particulares desempenhavam a função de auxiliares da legalidade, porque interessados no resultado. Com este modelo, não se admitia que os particulares pudessem actuar para a defesa de direitos ou interesses próprios, já que também não se considerava que, do ponto de vista substantivo, pudesse existir entre o particular e a Administração uma relação jurídica. Esta ideia fazia parte de uma concepção do Direito Administrativo que gira à volta do acto administrativo (“actocêntrica”), o que acabou por resultar na negação de qualidade de parte aos particulares.
Também a Administração, quando estava em juízo, estava como autoridade recorrida, para auxiliar o tribunal na tarefa do estabelecimento da legalidade e do interesse público. Isto decorria da falta de distinção entre Administração e Justiça, que consiste naquilo que o Professor Vasco Pereira da Silva chama de “pecado original”. Só faz sentido falar de um processo de partes quando o juíz desempenha o papel de um terceiro em face de dois interesses antagónicos que lhe são trazidos. Ora, se no recurso de anulação ainda estamos dentro da Administração, então o juíz não é um terceiro mas sim um auxiliar da Administração, fazendo parte dela.
No entanto, em face da evolução do Direito Administrativo, por influência do modelo alemão, emergem as ideias de protecção judicial plena e efectiva dos administrados, onde encontramos já um modelo predominantemente subjectivista. Com este modelo assiste-se ao sublinhar dos aspectos subjectivistas no contencioso administrativo, enquanto processo de partes.
Em termos mais actuais (sem prejuízo da importância dos desenvolvimentos históricos de cada modelo) a Reforma portuguesa do contencioso administrativo de 2004 altera o modelo de justiça administrativa portuguesa, num sentido mais subjectivista, próximo do modelo alemão. No que importa à questão do processo administrativo como processo a um acto ou como processo de partes é consagrado, pela Reforma, o princípio da igualdade de armas entre o recorrente e a Administração no sentido da consagração de um verdadeiro processo de partes (art.6º CPTA). Para além da consagração do princípio da igualdade efectiva, o CPTA consagra expressamente a regra de que os particulares e Administração são partes no processo, pelo que já não é possível falar num processo ao acto.
Este processo de partes implica que um juíz activamente interessado na descoberta da verdade e na realização da justiça tem de caber a veste de imparcialidade perante a Adminstração e os particulares. Por fim, implica também que o objecto do processo (quanto à impugnação de decisões administrativas) seja a alegada lesão das posições jurídicas subjectivas dos particulares e não apenas a legitimidade do exercício do poder administrativo.
Parece-me ainda que o próprio ETAF, no seu artigo 1º, tem como consequência a existência de um processo de partes, visto que contém a cláusula geral de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, em razão da natureza da relação jurídica em litígio (mais uma vez a ideia de posicionar o particular e a Administração como partes numa relação jurídica).

Sem comentários:

Enviar um comentário