sábado, 24 de abril de 2010

O Modelo de Contencioso Alemão

No século XIX, com a invasão francesa, operam-se movimentos de reforma do sistema jurídico alemão, em parte derivados do sistema francês. Na altura, coexistiam dois tipos de modelo contencioso: o modelo Prussiano e o modelo dos Estados da Alemanha do Sul (sistema de Württemberg). O primeiro traduz-se num modelo objectivo, caracterizado por um sistema de garantias de reposição da legalidade. O segundo modelo, de cariz subjectivista, é caracterizado pela primazia da defesa dos direitos subjectivos ofendidos. Para a sedimentação do sistema alemão, em muito contribuiu a obra de Otto Mayer, com uma criação doutrinária essencial: a noção de acto administrativo, correspondente a uma ideia de acto de ingerência (Eingriffsrechtsakt). Otto Mayer preocupou-se com a integração do Estado de Direito da administração de polícia, aquela que tinha o poder de restringir dos direitos dos particulares.

A grande reestruturação do contencioso administrativo alemão ocorre na década de cinquenta, após a guerra e o período de ocupação. Na sequência da ocupação aliada, o sistema alemão foi bastante influenciado pelo sistema anglo-saxónico de administração judiciária. Os tribunais administrativos passam a ter consagração constitucional na Lei Fundamental da República Federal Alemã promulgada em 23 de Maio de 1949, ao mesmo tempo que se adopta o modelo subjectivista, típico dos estados da Alemanha do sul.

Depois da segunda Guerra Mundial, assistiu-se a uma evolução do Estado que consistiu na passagem de uma Administração agressiva dos direitos dos particulares – na Alemanha vigorou de 1933 a 1945 o princípio do Chefe (Führerprinzip), em detrimento do princípio da legalidade e de outros princípios jurídicos tradicionais – para uma Administração prestadora ou constitutiva. Essa função vem associada à satisfação das novas necessidades colectivas e torna-se a principal característica do Estado Social. O prolongamento da actividade administrativa nos domínios social, económico e cultural conduz à qualificação do Estado actual como Estado de Administração (Verwaltungsstaat), em coerência com a noção de Forsthoff do fornecimento dos serviços indispensáveis à vida. No estado de Direito Social combina-se a missão social e o estado de direito – Maurer. A ideia de Estado de Direito (Rechtsstaat), associada ao Estado Social, vai trespassar para os sistemas jurídicos europeus, dando lugar a uma plena jurisdicionalização da fiscalização da actividade administrativa.

A relação jurídico-administrativa ganhou relevância com o processo de plena jurisdicionalização da fiscalização da actividade administrativa e com a necessidade de tutelar espaços de protecção insuficiente – no caso das condutas omissivas. Antes da entrada em vigor – em 1 de Janeiro de 1977 (§ 103 VwVfg) – da Lei de Procedimento Administrativo da República Federal da Alemanha, de 25 de Maio de 1976, os tribunais administrativos centravam a sua apreciação no resultado final do procedimento administrativo – os actos ou os contratos –, na perspectiva da sua conformidade material, dispensando os aspectos procedimentais. Essa ampla margem de apreciação pelos tribunais da actividade da Administração está autorizada pelo artigo 19.IV da Grundgesetz que consagra o princípio da tutela judicial efectiva, em razão do qual quem sofra uma lesão nos seus direitos e interesses em consequência da acção do poder público, terá acesso aos tribunais. Com a entrada em vigor da Lei de Procedimento Administrativo da República Federal da Alemanha, a tutela dos direitos subjectivos ganha uma dimensão ampliada, quer na perspectiva da relação da administração com os administrados, quer no tipo de garantia que é proporcionada pela justiça administrativa desses direitos, ao acentuar a ideia ordenacional inclusa na relação jurídico-administrativa.


Marisa Ribeiro dos Santos A6 16781

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