terça-feira, 13 de abril de 2010

A Problemática do Interesse enquanto condição de Legitimidade

As dúvidas acerca das condições de legitimidade surgiram com o Código de 1886, que introduziu uma nova técnica, considerando a par da ofensa - via de recurso, a ofensa - condição de legitimidade. Através desta técnica a possibilidade de recorrer foi aparentemente restringida, uma vez que o Código de 1878, no art. 107º, considerava competentes para requerer a revogação contenciosa das deliberações municipais inquinadas de nulidades ou ofensivas, o administrador do concelho e as partes interessadas, parecendo que com tal expressão o acesso aos tribunais fosse alargado. No entanto, com o Código de 1886, esse mesmo poder só expressamente se conferiu ao Ministério Público e às pessoas cujos direitos fossem ofendidos pelas deliberações, de acordo com o art. 122º.

Em face das circunstâncias políticas e sociais, a jurisprudência francesa procedeu a um alargamento do conceito de legitimidade. Citando Hauriou, o Professor Marcello Caetano considerava a qualificação do interesse como a condição de legitimidade do recorrente: interesse directo, pessoal e legítimo. Posteriormente, Marcello Caetano voltou a analisar o conceito de legitimidade fundado na detenção de um especial interesse do recorrente perante o objecto do recurso, o qual reforçava o entendimento de que esse interesse devia ser qualificado. Não seria bastante qualquer interesse, no contencioso administrativo francês, para legitimar o reclamante ou recorrente, antes o Conselho de Estado exigia que o interesse fosse directo, pessoal e legítimo.

O interesse seria Directo quando o provimento do recurso implique a anulação de actos jurídicos que constituam obstáculo à satisfação da pretensão anteriormente formulada pelo recorrente, ou sejam causa imediata de prejuízos infringidos pela administração. O interesse deve ser imediato, o que significa que este não deve ser eventual mas actual, e que a anulação do acto deve acarretar uma satisfação imediata ao recorrente, não a uma satisfação longínqua.

O interesse será Pessoal quando o recorrente seja o seu próprio titular, ou seja, a pessoa em cujo património, em cuja carreira, em cuja esfera jurídica ou actividade se vá produzir o efeito da anulação pretendida. Portanto, tem de existir uma relação de titularidade entre a pessoa (singular ou colectiva) do recorrente e a pretensão por cuja vitória se pugna ou o prejuízo causado pelo acto cuja anulação se requer. Este requisito distinguia o recurso contencioso da acção popular, pois o interesse que o justifica deve provir duma situação jurídica particular.

E seria Legítimo se decorre-se do facto do seu titular haver sido desfavorecido no processo em que foi praticado ou se for objecto de protecção jurídica, mesmo indirecta. Mais tarde, a noção de interesse legítimo passou a ser entendida como a utilidade proveniente do recurso que não seja reprovada pela ordem jurídica.

Portanto, existia interesse directo, pessoal e legítimo sempre que o recorrente particular pudesse retirar da decisão favorável do tribunal uma vantagem ou utilidade imediata não reprovada pelo Direito, para a sua própria esfera jurídica.

O Professor Freitas do Amaral desdobra o interesse nesses três requisitos, que têm que se verificar cumulativamente para preencher o pressuposto da legitimidade do recorrente. O interesse será directo quando o benefício resultante da anulação do acto recorrido tiver repercussão imediata no interessado, será pessoal quando a repercussão da anulação do acto recorrido se projectar na própria esfera jurídica do interessado, e será legítimo, quando é protegido pela ordem jurídica como interesse do recorrente.

O Professor Vasco Pereira da Silva desenvolve a posição segundo a qual a legitimidade não se coloca ao nível do interesse, mas sim da lesão de um direito substantivo próprio. O carácter pessoal, directo e legítimo do interesse é assim uma decorrência lógica da posição substantiva de vantagem no âmbito da relação jurídica administrativa. O interesse pessoal traduz-se na alegação de um direito da esfera jurídica do particular, o qual foi lesado por uma conduta ilegal da administração, sendo que a legitimidade do interesse consubstancia-se na atribuição desse direito àquele sujeito pela ordem jurídica. Esta concepção da legitimidade no contencioso administrativo assegura a ligação entre a realidade material substantiva e a relação processual, fazendo com que os participantes no recurso sejam os sujeitos efectivos da relação material, negando uma concepção que pretenda substituir-se à consideração das situações jurídicas substantivas das partes e basear-se num critério exclusivo de determinação do acesso ao juiz.

A legitimidade activa, no âmbito da impugnação de actos administrativos vem hoje tratada no art. 55º do CPTA. O critério do interesse determina a legitimidade - art. 55º, nº1, alínea a) -, em conexão com o princípio da lesão efectiva. Na determinação da legitimidade activa, o legislador preferiu retirar o qualificativo do interesse legítimo, bastando-se com a titularidade de um interesse directo e pessoal. A esta supressão não será estranha a própria subjectivização da acção, e já em 1933 o Dr. Fezas Vital criticava a exigência do carácter legítimo do interesse.

A supressão dos elementos da definitividade e executoriedade do acto como requisitos de procedibilidade abonam, também, a favor da dispensabilidade de uma noção de interesse legítimo, uma vez que este existe mesmo não se produzindo um acto com aquelas características classicamente entendidas. Não concorre para a definição da legitimidade do interesse a qualificação de acto definitivo e executório, mas apenas a de acto administrativo lesivo - havendo lesão, há interesse.

Portanto, a legitimidade é configurada como um pressuposto processual, para o qual é irrelevante a sustentação da detenção do interesse na relação material controvertida, com abstracção da procedência ou não do pedido. A questão da titularidade efectiva da posição subjectiva deve ser excluída do âmbito da construção do instituto da legitimidade processual. A alegação do direito é condição suficiente para a verificação do pressuposto processual, que se basta com a aparência da lesão do direito ou interesse. Por fim, é parte legítima, no âmbito da impugnação de actos lesivos, todo aquele que alegar a lesão da sua posição jurídica substantiva, no âmbito de uma relação jurídica administrativa, mesmo sem demonstrar a existência efectiva e concludente desse direito ou desse interesse.

Marisa Ribeiro dos Santos 16781 subturma 6

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