domingo, 25 de abril de 2010

Condenação à prática de acto devido

Uma questão interessante para debater prende-se com o tratamento que, do ponto de vista processual, deve corresponder aos actos administrativos de indeferimento, mediante os quais a Administração, em resposta a requerimentos que, nesse sentido, lhe tenham sido apresentados, se recuse a praticar certos actos administrativos. No novo contencioso administrativo, os actos administrativos de indeferimento deixam de poder ser objecto de processos de impugnação, dirigidos à respectiva anulação ou declaração de nulidade. Neste sentido, podemos observar as soluções que se encontram consagradas no art.67º/1 alíneas b) e c), que admitem que, contra um acto de recusa de um acto administrativo ou da apreciação de requerimento dirigido à prática de um acto administrativo, seja deduzido um pedido de condenação à prática do acto, e no art.66º/2, onde se estabelece que a eliminação da ordem jurídica do acto de indeferimento “resulta directamente da pronúncia condenatória” mediante a qual o tribunal imponha a prática do acto que tinha sido ilegalmente recusado.
Assim, no novo contencioso administrativo, a via adequada para reagir contra as situações de recusa ou omissão ilegal da prática de actos administrativos é a dedução de um pedido de condenação da Administração à prática do acto pretendido. O processo de impugnação deixa de ser a via mais adequada para reagir contra actos administrativos de indeferimento, dando lugar à condenação da prática de acto devido. Depois desta breve introdução vamos passar a analisar então, a questão da condenação da prática de acto devido.
Primeiro é importante referir que este tipo de condenação foi concebido pela lei a partir do preceito que se encontra consagrado constitucionalmente no art. 268º/4 da Constituição da República Portuguesa, introduzido pela revisão de 1997, nos termos do qual a garantia da tutela judicial efectiva dos direitos dos particulares haveria de incluir “a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos”.
Contudo, a elaboração de uma acção condenatória pode ser considerada como uma opção legislativa, visto que se trata de uma possibilidade oferecida pela Constituição, e não de uma imposição, pois a “determinação” referida no próprio preceito admite outro tipo de soluções, como por exemplo, a pronúncia judicial declarativa ou a sentença substitutiva.
O pedido de condenação tem por base um acto administrativo que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado, art.66º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante C.P.T.A, e tem como finalidade condenar a entidade competente à prática, dentro de determinado prazo.
O conceito de acto “devido”, diz respeito àquele acto administrativo que deveria ter sido emitido e não foi, quer se esteja perante uma omissão ou perante uma recusa. Pode também entender-se por acto administrativo aquele que no momento da sua prática tenha sido não satisfaça uma pretensão, numa situação como esta, o particular tem também que impugnar o acto que considera ilegal, constituindo assim a condenação, um pedido cumulado na acção impugnatória.
Pode ainda admitir-se, que por outro lado e tendo em conta o C.P.T.A, o acto devido não tem que ser um acto estritamente vinculado perante a lei, podendo acolher momentos discricionários, desde que a sua emissão seja legalmente obrigatória.
Depois do que já foi referido, surge a questão de apurar se acto tem de ser legalmente devido ou se o meio da condenação pode ser utilizado para obter o cumprimento de um acto devido por efeito de contrato, de sentença ou mesmo de outro acto administrativo. Esta questão resulta da letra da lei que na sua referência a acto devido, no art.67º do C.P.T.A fala de “acto administrativo legalmente devido” e no art.66º de “acto ilegalmente omitido ou recusado”.
Para o Prof. José Carlos Vieira de Andrade, a obrigação legal deve ser entendida em sentido amplo, abrangendo a generalidade dos casos em que a omissão ou recusa sejam contrárias à ordem jurídica, excluindo somente as situações em que a prática do acto pretendido corresponda a um mero “dever de boa administração”.
Assim, além da obrigação legal abranger os casos em que a imposição decorre de uma norma constitucional, internacional ou comunitária, ou de um princípio jurídico aplicável, deve considera-se que serão sempre legalmente devidos, ou na formulação negativa, ilegalmente omitidos ou recusados, os actos administrativos cuja imposição resulte da prática de actos anteriores. Para além destes casos, surge uma dúvida maior, no que concerne a actos administrativos cuja prática represente o cumprimento de um dever contratual, mas também aqui a dúvida parece dissipar-se, pois os pedidos de condenação à prática de actos contratualmente devidos, seguem a forma da acção administrativa especial. Uma outra situação são os actos administrativos cuja prática seja imposta por decisão judicial, e aqui o meio adequado é o de execução da sentença.
No que toca às situações que levam à condenação da prática de acto devido, podemos começar por fazer alusão ao art.67º do C.P.T.A, que na sua essência parece exigir um procedimento prévio, da iniciativa do interessado, em regra, um requerimento dirigido ao órgão competente, com a pretensão de obter um acto administrativo. São situações típicas as seguintes:
- omissão da prática do acto requerido no prazo legalmente estabelecido para a decisão;
- recusa da prática do acto devido, ou seja, indeferimento expresso, total e directo, da pretensão substantiva;
- recusa de apreciação do requerimento.
Para além das situações enumeradas é possível ainda outras.
Os requisitos levam a crer que o pedido tem fundamentalmente um alcance subjectivista, destinado à satisfação de direitos ou interesses legalmente protegidos do autor, contudo verifica-se um alargamento de legitimidade à acção colectiva, à acção popular e até à acção pública.
Coloca-se a questão se é necessário respeitar sempre o “princípio da provocação”, ou seja, se é sempre necessário que a Administração tenha sido interpelada para a emissão de um acto administrativo, mesmo quando seja um acto cuja prática seja imposta directamente pela lei, designadamente no que concerne à iniciativa do processo pelo Ministério Público.
Também nos casos de incumprimento de deveres oficiosos concretos de prática de actos administrativos, o pedido deve ser admitido.
Assim, é possível afirmar que para além das três situações directamente previstas, o C.P.T.A acolhe também o pedido de condenação nos casos de inactividade oficiosa comprovada da Administração perante valores comunitários relevantes ou direitos dos particulares, bem como, embora em cumulação com o pedido impugnatório, as de indeferimento parcial ou indirecto da pretensão.
Tal como já foi enunciado, podemos assistir a um alargamento da legitimidade e é esse que vamos analisar agora, assim e com base no art.67º do C.P.T.A exige-se um pedido por parte do interessado, esse pedido pode ser apresentado por quem tenha a titularidade de direitos ou interesses legalmente protegidos dirigidos à emissão desse acto, e, quando se trate de deveres não oficiosos, o tenha requerido.
Além destes, podem também propor acção condenatória as pessoas colectivas, públicas ou privadas, em relação aos direitos ou interesses colectivos que representem, trata-se aqui da defesa de interesses colectivos, bem como os autores populares, incluindo o Ministério Público enquanto tal, para defesa de determinados valores comunitários, a que correspondem interesses difusos. E ainda, como já foi referenciado o Ministério Público, enquanto titular de acção pública, quando se trate de acto legalmente devido, desde que esteja em causa a defesa de direitos fundamentais ou de um interesse público especialmente relevante (art.68º/1 C.P.T.A), isto no que diz respeito à legitimidade activa.
Quanto à questão da legitimidade passiva, a lei determina que para além da entidade competente responsável pela omissão, são obrigatoriamente demandados os contra-interessados, determinando um litisconsórcio necessário (art. 68º/2 do C.P.T.A).
Depois de analisada a questão da legitimidade, passamos agora à análise do prazo de propositura da acção que é diferente consoante tenha havido inércia do órgão ou um indeferimento (art.69º C.P.T.A). Numa situação de omissão, o prazo é de um ano, contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto.
Numa situação de indeferimento, o prazo da acção é de três meses, o prazo aqui estabelecido é igual ao fixado para a impugnação do acto pelos interessados, isto verifica-se porque o indeferimento constituir um acto administrativo. Se tivermos em conta que a lei não distingue os casos de indeferimento, e se considerarmos que a razão de ser para esse prazo for o respeito pela estabilidade do acto administrativo, então não valeria quando se tratasse de acto nulo ou no âmbito de uma acção pública.
No que diz respeito aos casos de recusa de apreciação que não se encontram expressamente previstos, suscitam-se algumas dúvidas. No entanto, e partindo do princípio de que estamos perante uma lacuna, visto não se ter verificado indeferimento e, portanto, de não se ter formado um acto administrativo que possa tornar-se inimpugnável no prazo de três meses, deveria valer o prazo geral de um ano, embora o particular, dado que não chegou a haver uma decisão, pode sempre apresentar um novo requerimento, sem o entrave do art.9º/2 do Código do Procedimento Administrativo, ou seja, sem ter que esperar dois anos.
Podemos ainda assistir a uma alteração da instância quando, na pendência do processo, haja ou seja notificado um acto de indeferimento expresso ou seja praticado um acto que não satisfaça integralmente as pretensões do interessado, este pode ampliar a causa de pedir, mantendo o pedido anterior, ou então cumular o pedido com o da anulação ou de declaração de nulidade.
Por fim e tendo em conta tudo o que foi referido, a pronúncia do tribunal, em caso de procedência da acção, será sempre condenatória relativamente à pretensão material do interessado, mesmo nos casos em que se tenha verificado a omissão ou a mera recusa da apreciação (art.71º/1 C.P.T.A), apesar da lei não ser clara, deve concluir-se que perante um acto de indeferimento o juiz não tem de anular ou declarar nulo ou inexistente o acto, deve também aqui condenar o órgão à prática do acto.
Assim a condenação à prática do acto devido há-de resolver a questão levada a juízo pelo autor, e deve ser estabelecido o prazo em que deve ter lugar a pronúncia administrativa, identificando o órgão competente para a realizar. Quando o tribunal o entender justificado, pode determinar logo na sentença condenatória a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias ao titular do órgão em falta, para prevenir o incumprimento (art.66º/3 do C.P.T.A).

1 comentário:

  1. PARABÉNS POR ESTE MAGNÍFICO TEXTO.
    FINALMENTE, ALGUÉM QUE REFLECTIU SOBRE ESTE ASSUNTO.

    Manuel de Araújo Calote.
    (Advogado).

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