segunda-feira, 19 de abril de 2010

Legitimidade processual (Tarefa 2)

De facto, o CPTA em termos sistemáticos, dedica o seu segundo capítulo às partes, logo após um capítulo de disposições fundamentais. Relativamente aos aspectos que não apresentam grandes especificidades, estes são regulados pelo CPC, como é o caso da personalidade ou capacidade judiciárias (artº5e ss. do CPC). Se percorrermos o CPTA podemos tirar várias conclusões sobre as opções do legislador; em primeiro lugar, temos na parte geral, um regime geral em matéria de legitimidade activa, baseado na ideia de que sendo esta uma matéria relativa à situação das partes no processo, deverá ser de âmbito geral.
Temos, então, neste sentido o disposto no Artº9 do CPTA que contém logo na sua parte inicial a ressalva expressa da existência de regimes especiais, porque na verdade, existem outras regras (artº40, 55, 68, 73 e 77) a regular esta matéria que não o artº9, embora se deva partir deste artigo, em termos gerais, para apurar o que seja legitimidade, não podemos descurar a análise de regimes mais específicos.
Assim, e começando pelo regime geral do artº9/1, podemos, com base em duas premissas, estabelecer um paralelo com o artº26/3 do CPC; desde logo, na medida em que se requer a legitimidade enquanto pressuposto processual, e depois, porque se afere a legitimidade por referência a uma “relação jurídica controvertida” – “…o autor é considerado parte legitima quando alegue ser parte na relação material controvertida”. É, no entanto, importante ressalvar aqui a ideia de que esta legitimidade não pertence só aos particulares contra entidades públicas, aliás este pressuposto processual é essencial tanto aos particulares, como às entidades públicas; e estas relações jurídico-administrativas podem revestir várias configurações entre estes dois intervenientes, não tem que ser necessariamente intentada por um particular contra uma entidade pública, é importante que se note, ponto essencial será o interesse e a possibilidade em submeter estas relações à apreciação dos tribunais administrativos.
Ainda no âmbito deste artº9, temos as disposições especiais do nº2, face ao já referido regime geral do nº1, e que vem estender a legitimidade processual a quem não alegue ser parte numa relação material a submeter a um tribunal administrativo, e fá-lo atribuindo a uma série entidades que elenca a possibilidade de lançar mão de qualquer meio processual, ainda que cautelar, que conste do contencioso administrativo, para defesa dos valores e bens constitucionalmente protegidos, elencando alguns a titulo exemplificativo, bem como a qualquer cidadão, nomeadamente o direito fundamental de participação que é a acção popular, e que está previsto no artº52/3 da constituição (ainda que quanto a este último não o diga expressamente).
Quanto à forma de exercício de propositura e participação o artigo remete para o “ previsto na lei”, estamos aqui a falar da Lei nº 83/95.
Assim, o artº9/2 é como que o mecanismo para dar fundamento à possibilidade de intervenção dos interessados, que depois será regulada na sua tramitação, em termos mais específicos pela Lei nº 83/95.
Agora, relativamente à já referida ressalva do artº9/1, 1ªparte, temos de facto, previstos no CPTA, e ainda no âmbito da legitimidade dos sujeitos processuais uma série de regimes especiais que se afastam e que afastam o regime regra deste artigo. Temos, desde logo, neste sentido, o artº40 – legitimidade activa nas acções sobre contratos, e parece mais uma vez, ter aqui o legislador optado por alargar o âmbito da legitimidade activa neste tipo de acções, a quem não alegue ser parte na relação material (contratual, neste caso); o que facilmente se percebe se tivermos em mente o fim da actividade administrativa, e que é a prossecução do interesse público, aliado ao facto de estarem aqui em causa maioritariamente contratos relativos a procedimentos pré-contratuais regidos pelo direito administrativo, e que todos os eventuais interessados se possam fazer valer das invalidades de que o contrato possa padecer por violação de normas que orientam e vinculam a actividade administrativa. È no sentido de combater a ideia tradicional de que as “as acções sobre contratos administrativos só podem ser propostas pelas entidades contratantes”, e dar resposta às necessidades de intervenção de outros interessados, de terceiros que o artº40 vem alargar consideravelmente a legitimidade para a propositura de acções sobre contratos.
Já no âmbito do artº55 que trata da matéria da impugnação dos actos administrativos, estamos no âmbito da chamada acção administrativa especial, e esta norma refere na sua letra 8 categorias de pessoas e entidades legitimadas para a impugnação de actos administrativos. Assim, interessa aludir à expressão utilizada pelo legislador “interesse directo e pessoal” (nº1 a)), que parece não se ficar só pela ideia de lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos, já que a premissa utilizada pelo legislador “designadamente” sugere carácter exemplificativo destas duas possíveis concretizações da expressão. Neste sentido, será razoável aceitar o entendimento de que a legitimidade individual para a impugnação de actos administrativos não necessita de uma ofensa a um direito ou a um interesse legalmente protegido, basta antes que o acto em causa, no momento em que é impugnado ( e por isto se reconduz a expressão “directo” a um interesse “actual”), esteja a provocar danos na esfera jurídica do autor, e que a sua anulação/declaração de nulidade, lhe traga uma verdadeira vantagem directa. Depois, e não querendo ser demasiado exaustiva, temos a b) que prevê a possibilidade de acção pública, promovida pelo MP para defesa da legalidade democrática e promoção da realização do interesse público; a c) confere legitimidade numa dupla perspectiva, isto é, às entidades públicas e bem assim, às entidades privadas, e aqui qualquer tipo de associações, sempre ambas dentro do estrito principio da especialidade; d) vem introduzir a possibilidade de impugnação de actos dentro da mesma pessoa colectiva; e) possibilidade de outras autoridades, que não o MP, de impugnar actos em nome da legalidade administrativa; e por fim, f) que corrubora a legitimidade das entidades e pessoas já referidas no nº2 do artº9.
Ainda no âmbito dos regimes que fogem à regra geral, temos o do artº68 referente à legitimidade para pedir a condenação à prática de actos devidos, aqui elenca-se 5 categorias de pessoas e entidades que podem pedir a condenação da administração à prática de actos que foram ilegalmente recusados ou omitidos. Aqui, no entanto, não há uma liberdade tão ampla de legitimidade, já que, esse pedido de condenação pressupõe, desde logo, a própria legitimidade para requerer a prática do acto, não basta a titularidade de um simples interesse directo e pessoal; tem que haver um direito, ou pelo menos um interesse legalmente protegido à emissão do acto, tem que ter havido um requerimento que constitua a administração no dever da prática desse acto, só assim haverá recusa ou omissão. Assim, esta norma tem um carácter mais subjectivo, atendendo essencialmente à protecção de direitos ou interesses individuais, do que os anteriores. Quanto às restantes alíneas do artº68 são em muito semelhantes ás do artº55 e não trazem grandes novidades, salvo o facto da acção pública (c)) ter algumas limitações, o que não acontece na disposição do 55.
Restam, assim, o artº73 e 77 do CPTA em termos de legitimidade activa. O primeiro, trata da legitimidade para impugnar normas regulamentares; e o segundo para pedir a declaração de ilegalidade por omissão de normas regulamentares necessárias para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação. Interessa aqui, distinguir entre o nº1 do artº73 que se reporta a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral; e o nº2 com efeitos circunscritos ao caso concreto, isto é, quem seja directamente lesado por normas cujos efeitos se produzam imediatamente, sem ser necessário actos concretos de aplicação.
De facto, a característica comum a todas as disposições especiais ressalvadas pelo artº9 /1 é o alargamento da legitimidade, para além dos limites da alegada titularidade da relação material controvertida (9º/1); sempre numa perspectiva de conferir uma cada vez maior eficácia na protecção e prossecução do interesse público, assegurando igualmente a mais efectiva tutela dos direitos e interesses de quem quer que recorra ao contencioso administrativo, seja o Ministério público ou qualquer entidade ou associação pública, sejam os particulares.
De resto, só fazer uma referência ao que temos consagrado no nosso CPTA relativamente à legitimidade, na sua vertente passiva. Neste âmbito, dispõe o artº10, que na esteira do artº9/1 se fica pelo essencial do artº26 do CPC; terá legitimidade passiva a contraparte na relação material controvertida, tal como esta é configurada pelo autor, isto é, o autor deve demandar quem estiver na posição contraposta à sua.Só ressalvar que embora se dê uma grande importância à demanda de entidades públicas, não são só estas que estarão sujeitas a este papel (neste sentido nº7), simplesmente são as mais comuns.
Finalmente, O CPTA, acolheu a possibilidade da existência de situações de pluralidade de partes (coligação – artº12 ou litisconsórcio, necessário ou voluntário – por aplicabilidade supletiva das respectivas disposições do CPC, e quando todos os requisitos aí previstos estejam preenchidos).
Existem, seguramente, outras questões que seriam aqui de grande interesse serem referidas, no entanto e dada a extensão do comentário à legitimidade activa e passiva, ficarei por aqui, concluindo que a legitimidade processual é, de facto, um pressuposto processual sem o qual não poderá haver apreciação do mérito da causa; e no âmbito do qual temos uma regra geral, e regras especiais que através da extensão da legitimidade a várias entidades e pessoas se procura abarcar cada vez mais interessados, no sentido de tornar mais eficaz a prossecução do interesse público pela administração.

1 comentário:

  1. Conforme cita o Professor Vieira de Andrade, a legitimidade activa há-de caber a quem se arrogue um prejuízo efectivo provocado pela actividade ou omissão pública. Apenas este pode invocar ser parte na relação material controvertida, como exige o art.9º, nº1 do CPTA. Atente-se que, anteriormente preceituava-se "quem alegar ser vítima de lesão causada por facto da Administração ou seus agentes." (art.284º do Código Administrativo). O legislador vai mais longe, alargando a legitimidade para a apresentação de pedidos de indemnização dos lesados no âmbito da acção popular, quando tenham sido ofendidos determinados valores comunitários: cidadãos, asscoiações, fundações e autarquias.

    O que o já referido art.9º do CPTA vem fazer é adoptar a técnica do legislador do Código de Processo Civil, designadamente nos arts. 26º e 26º-A, comprimindo apenas num artigo as duas possibilidades de legitimidade directa: a pertinência da relação jurídica administrativa para as acções de função objectiva (nº1) e a titularidade de um interesse difuso no que se refere à acção popular (nº2). Estabelecendo, agora, uma semelhança à lei processual civil, este artigo 9º é de sobremaneira menos amplo, uma vez que apenas identifica como parte legítima o sujeito da relação jurídica.

    A divergência doutrinária sobre a questão da legitimidade activa é, agora, resolvido neste artigo do CPTA, consagrando que esta é determinada pela relação jurídica controvertida "tal como é apresentada pelo autor".

    Quando é definido como parte legítima o autor "que alegue ser parte na relação material controvertida",parece-nos que o legislador quis construir o regime do contencioso administrativo à volta da figura da relação jurídica. Impossibilitando de tal modo, qualquer construção baseada numa restrição de direitos processuais, no seu relacionamento com a administração, alargando simultaneamente a protecção de terceiros.

    Quanto ao prazo, as acções podem ser propostas a todo o tempo, salvo determinação legal especial em contrário.

    Inês Mendonça. Subturma 6, nº 166646

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