segunda-feira, 26 de abril de 2010

A declaração de ilegalidade por omissão regulamentar

A reforma de 2004 trouxe uma novidade ao Contencioso Administrativo, nomeadamente, a existência de um mecanismo processual destinado a reagir contra omissões ilegais de emissão de regulamentos.
João Caupers, antes da reforma, considerava a inércia regulamentar uma autêntica violação de um dever jurídico de regulamentar que poderia decorrer da norma legal expressa ou implicitamente. Deste modo, faz todo o sentido que se conceda aos tribunais administrativos, o poder de proferirem sentenças nas quais declaram a referida violação e ainda fixando à autoridade administrativa um prazo para preencher a lacuna regulamentar.
Esta discussão foi retomada por Paulo Otero, durante a discussão acerca da reforma de 2004. Este sugeriu a criação de um mecanismo análogo ao da fiscalização da inconstitucionalidade por omissão, permitindo que os tribunais administrativos dessem conhecimentos aos órgãos competentes da existência de uma ilegalidade por omissão.
Surge assim, com a reforma de 2004, a possibilidade de em acção administrativa especial, de se suscitar um pedido de apreciação de ilegalidade por omissão regulamentar que resulte, expressão ou indirectamente, de uma concreta lei, quer decorra de remissões, art.77ºnº1 CPTA.
Será igualmente verificável a omissão de regulamentos autónomos ou independentes, caso este em que a Administração possui uma maior margem de conformação normativa, sem poder, no entanto, dispensar a sua vassalagem à lei. O que encontra a sua justificação no facto de no caso dos regulamentos autónomos, a sua emissão corresponda ao cumprimento de um dever legal e que estes têm como objectivo tornar exequíveis actos legislativos que carecem de regulamentação.
Após verificação de existência do dever de regulamentais e proferida a decisão que toma partido pela ilegalidade, a sentença terá como efeitos essenciais, dar conhecimento à entidade competente e fixar um prazo, não inferior a seis meses, para que haja supressão da omissão, art.77ºnº2 CPTA.
É discutível o conteúdo da sentença, na medida em que, parece ser o objectivo do legislador estabelecer que esta possui uma eficácia meramente declarativa, dando apenas conhecimento da existência de uma ilegalidade, por outro, determina que esta possui efeitos cominatórios, a partir do momento em que prevê a fixação de um prazo para que a autoridade administrativa adopte as normas regulamentares.
O Professor Mário Aroso de Almeida, aproxima o previsto no art.77ºnº2 CPTA, às sentenças de condenação tendo em conta que se procede à fixação de um prazo que vincula a Administração. Deste modo, fará mais sentido aproximá-los às sentenças de condenação do que a sentenças meramente declarativas ou de simples apreciação.
O Professor VPS é da opinião que nada impediria a que se tivesse estabelecido a possibilidade de condenação da Administração na produção da norma regulamentar em falta (já que é o que acontece com os actos administrativos devidos). Deste modo, reconhecia-se a existência de um dever de regulamentar sem pôr em causa a separação dos poderes. Se assim fosse, seria necessário distinguir duas situações:
1. Situação em que se verifica a existência de um dever de regulamentar da Administração, mesmo possuindo a autoridade administrativa, um poder discricionário na estipulação do seu conteúdo. Neste caso, o tribunal deveria limitar-se a condenar a Administração Pública na emissão do regulamento. Quanto muito, poderia o juiz fornecer conselhos, a nível meramente indicativo, quanto ao modo de exercício do poder discricionário.
2. Situação em que não existe apenas um dever legal, mas sim a sua obrigatoriedade, complementada pela fixação prévia pelo legislador, do seu conteúdo. Há uma dupla vinculação legal (emissão e conteúdo). Nestes casos, o Professor VPS não encontra motivo para não existir uma sentença de condenação na emissão do regulamento com determinado conteúdo.
Apesar de o regime adoptado ainda deixar algo a desejar, este não deixa de representar um progresso face ao regime anterior, deixando em suspenso e tornando admissíveis alterações por via de futuras revisões da reforma, nomeadamente, a criação da acção de condenação na emissão de regulamentos devidos.
É ainda importante referir que no actual regime é possível ampliar a eficácia cominatória das sentenças que se consideram declarativas, no sentido em que, se pode fazer acompanhar a sentença uma sanção pecuniária compulsória, ou seja, é possível utilizar mecanismos de execução, já que se considera como acto de desobediência em relação à sentença, o desrespeito pelos prazos fixados pelo juíz, art. 164ºnº4/d), 168º e 169º CPTA.

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