domingo, 23 de maio de 2010

O artigo 71.º/2.º CPTA

O artigo 71.º/2.º CPTA

Pedro Santos Azevedo

Capítulo I – parte estática: a norma

1. Considerações preliminares

Ao contrário do trabalho anterior sobre o acto confirmativo, em que começámos por uma recolha exaustiva de teses e dados legislativos comparados, vamos iniciar este trabalho, sem mais, com a nossa posição sobre o tema. Existem centenas de artigos sobre a (relativamente recente) condenação à prática do acto administrativo devido. Queremos, no entanto, focar-nos num ponto específico. Assim, o que aqui analisamos – e, advertimos já, com um forte cariz analítico, como se poderá ver – é apenas o n.º 2 do art. 71.º/2.

Artigo que estatui:

Quando a emissão do acto pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do acto a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido.

Transformemos agora o enunciado normativo num esquema analítico:

Considerando P a previsão temos que esta, neste caso concreto, tem duas partes:

Pu - o acto pretendido envolve a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa

Px – a apreciação do caso concreto não permite identificar apenas uma solução como legalmente possível

Quanto ao operador deôntico, consideremos a típica tripartição entre P, Pr e O, sendo

Pr – operador deôntico de proibição

O – operador deôntico de obrigação

P – operador deôntico de permissão

Para terminar, representamos a estatuição com a letra E

Ey – determinar o conteúdo do acto a praticar

Ez - explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido

Debaixo deste mesmo enunciado normativo estão encerradas duas normas, nomeadamente uma de proibição (não pode) e um de obrigação (deve). Em primeiro lugar, para a previsão das normas estarem preenchidas quer Pu quer Px têm de estar preenchidas. Assim, podemos dizer que os elementos da previsão são cumulativos.

Quanto à proibição e à obrigação, sabemos que são interdefiníveis entre si: dizer que o tribunal não pode determinar o conteúdo do acto é o mesmo que dizer que o tribunal tem de não determinar o conteúdo do acto. Ou, dizer que o tribunal tem de (deve) explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido é o mesmo que dizer que o tribunal não pode deixar de (está proibido de) não explicitar essas vinculações.

A estatuição é também cumulativa: estando preenchidos os dois elementos da previsão, seguem-se necessariamente os dois comandos da estatuição.

Estamos agora em condições de afirmar que o conjunto

Pu л Px Pr Ey

Pu л Px O Ez

pode ser representado por

Pu л Px O ⌐ Ey л Ez[1]

É esta a norma que vamos analisar (que, note-se, é igual à anterior: apenas alterámos, para melhor compreensão da mesma, o enunciado normativo).

2. Decomposição analítica da norma

2.1. Primeiro elemento da previsão: Pu

Como vimos, o enunciado normativo, nesta parte, diz-nos:

O acto pretendido envolve a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa

À partida, todos os actos administrativos envolvem valorações próprias do exercício da função administrativa. No entanto, quis aqui o legislador – parece-nos – referir-se aos actos discricionários, em que a Administração tem margem para escolher entre várias soluções ou para determinar, por exemplo, a intensidade do acto[2]

2.2. Segundo elemento da previsão: Px

O elemento Px diz-nos que

A apreciação do caso concreto não permite identificar apenas uma solução como legalmente possível

Mais uma vez somos levados para a zona discricionária da Administração, nomeadamente a de normas com estatuição disjuntiva (a Administração pode fazer A ou B; pode, por exemplo, comprar ou arrendar um imóvel para determinada actividade – soluções que, a coberto de uma específica lei, seriam possíveis, sendo passíveis de preencher esta previsão normativa)

2.3. Operador deôntico

Do operador deôntico falámos há pouco: nada de especial há a dizer, pois que este apenas indica o sentido da norma, pelo que importa analisar a estatuição desta

2.4. Primeira parte da estatuição: Ey

Diz-nos Ey:

Determinar o conteúdo do acto a praticar

A interpretação da norma não é difícil. Os tribunais não podem determinar o conteúdo do referido acto, isto é, no exemplo acima dado, se a administração deve comprar ou arrendar o imóvel. Aliás, isto resulta do regime geral, mas faz sentido o legislador tê-lo referido porque estamos perante uma norma de fronteira, que parece tocar em pontos sensíveis da regra geral, parecendo configurar uma regra excepcional. E vamos vê-lo na análise do último elemento.

2.4. A segunda parte da estatuição: Ez

A última parte da estatuição obriga o tribunal a

Explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido.

Ou seja, a criar uma moldura legal de movimentação da Administração. E, interpretada a norma, passamos à análise mais profunda desta. Nomeadamente, deste elemento, pois é este o problemático.

3. Análise da norma

3.1. A previsão da norma

Recorde-se que este artigo se encontra em sede de condenação à prática de acto (legalmente) devido[3].

A segunda parte da previsão é quase uma explicação do porquê da primeira. Com efeito, o que aqui realmente importa é o facto de os tribunais não conseguirem, nos casos do art. 71.º CPTA, sem mais, determinar o acto que era legalmente devido: porque, para o fazer, necessitam de valorações próprias da função administrativa. E isto acontece porque, como nos diz a segunda parte da previsão, a apreciação do caso concreto não permite isolar uma única solução legal possível. Passamos aqui por cima do antigo dogma de que a Administração se limita a executar a lei, quer com o fundamento de que a doutrina já provou que a actual administração, em conexão com os Estados recentes[4], vai – e deve ir - bem mais além, quer pela alteração ou ampliação dos fins do Estado, quer por existirem leis com estatuições disjuntivas que permitem à administração tomar uma de várias medidas, quer pela própria discricionariedade na previsão (esta, substancial; aquela, formal)

Vamo-nos deter um pouco nesta questão, que no fundo determina a aplicação ou não desta norma. Questão diferente será, depois, a da densificação da estatuição. E, eventualmente, a da validade da norma.

Não conseguimos encontrar nenhum caso em que não se consiga identificar uma solução legalmente possível e não esteja em causa o exercício da actividade administrativa. Assim sendo, temos que a Px está contido em Pu.




Se provarmos que o conjunto Pu, que engloba os states of affairs[5] (Pu1 a Pun), e que Px é um ou vários desses states of affairs, então temos que apenas temos de nos preocupar com Pu no que concerne ao preenchimento da previsão da norma.

Façamos então tal prova:

Quando dizemos que não se consegue identificar uma única solução legalmente possível, não falamos obviamente das diversas normas que são chamadas, activadas, pelo menos parcialmente, pelo simples despoletar de qualquer caso concreto. Falamos dum momento posterior: dum momento em que já se individualizou a norma a aplicar; já foi feita a sua interpretação; falamos também do momento em que ela não foi afastada por uma qualquer invalidade relacional com outras normas. No fundo, referimo-nos a um momento posterior àquele em que o tribunal tem, de facto, poder para fazer tudo o supra referido.

Assim, após a norma estar individualizada, interpretada, mantém-se uma indefinição sobre a conduta a tomar. E não se tratam de casos em que há lacunas – a integração das mesmas faz parte do momento interpretativo ou, mais correctamente, segue-se a ele, dum modo tangencial. Referimo-nos aos casos em que após tudo isso feito, restam ainda soluções diversas. Note-se, portanto, que são todas legais. E que a ponderação é feita pela administração. O tribunal nada mais pode fazer, porque este está vinculado à lei (latu sensu, é certo). Tal qual um barco que vai até à margem, com a Administração lá dentro: quando bate na costa, na praia, apenas a Administração pode prosseguir. E avançámos já, ainda que em termos gerais e essencialmente metafóricos, parte da nossa fundamentação para considerar que esta norma, salvo numa interpretação muito especifica, é inconstitucional.

Este momento posterior, esta ilha, é a discricionariedade administrativa.



[1] Ou, se se preferir, por Pu л Px Pr Ey л ⌐ Ez

[2] Imagine-se a concessão de um subsídio entre 500 e 1000€ previsto na lei. Será um juízo da Administração Pública a definição do quantum do subsídio.

[3] Título III, Capítulo I, Secção II CPTA

[4] E por Estados recentes queremos dizer tipos de Administração. Cfr. a interessante e muito extensa divisão, além da recensão histórica em Wolff, Bachof, Stober, Verwaltungsrechts, Vol. I, tradução portuguesa, Fundação Calouste Gulbenkian, pp.91 e ss. Para este âmbito, parece todavia suficiente a divisão entre agressiva, infraestrutural e prestadora.

[5] Cfr., por todos, Ludwig Wittgenstein (Tratado-Lógico Filosófico) e von Wright (Norm and action)

sábado, 22 de maio de 2010

Sentença - Subturma 6

Processo: nº1547/010.TBDS
2.ª Secção
Data do Acórdão: 21-05-2010

O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública, representado por Luís Sindicalista, e António Atento, melhor identificados na petição inicial, vieram intentar contra o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., a presente acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, pedindo que seja declarada a nulidade do acto administrativo que nomeou João Sempre Disponível, em regime de substituição, para o cargo de Director do Centro de Emprego do Município de Desempregados, a condenação do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. à prática do acto de abertura do concurso público para preenchimento da vaga de Director do Centro de Emprego do Município de Desempregados e ainda, a condenação do réu em custas e procuradoria condigna que a presente lide dê lugar.

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Para tanto alegam os autores que o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P. nomeou em 10 de Março de 2009, João Sempre Disponível, em regime de substituição, para o cargo de Director de Centro de Emprego do Município de Desempregados, devido à vacatura do cargo por morte do titular, e que, em 10 de Maio de 2009, sem ter procedido à necessária abertura de concurso público, o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., renomeou João Sempre Disponível para o mesmo cargo de direcção intermédia do 1.º grau da Administração Pública, em regime de substituição.
Contestam os autores a argumentação veiculada pelo Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., considerando que a insuficiência de pessoal ao serviço desse instituto público e a frequência de tomada de igual procedimento em todo o país não constituem causas justificativas para o não cumprimento do disposto no n.º 1 do Artigo 21.º do Estatuto do Pessoal Dirigente, aprovado pela Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, e com a versão que lhe é dada pela Lei n.º 51/2005, de 30 de Agosto e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.
Invocam, ainda, os autores a necessidade de concurso público, a sua urgência e a prossecução do interesse público que o mesmo deve ter, conforme dispõe o n.º 1 do Artigo 21.º do Estatuto do Pessoal Dirigente.
Os autores alegam, também, que houve lugar a violação de princípios estruturantes como o da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cdiadãos e da boa fé, constantes do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro e do princípio geral da ética, constante do Artigo 4.º do Estatuto do Pessoal Dirigente.
A entidade recorrida contestou dizendo em resumo:
A substituição foi impreterivelmente necessária para garantir a qualidade na actividade, tendo em conta o aumento do volume de trabalho que se verificou face ao inesperado crescimento económico; A nomeação sucedeu por causa da demissão de António Foisse.

Que o concurso público foi adiado por três motivos essenciais: o Instituto havia verificado um enorme e avultado acréscimo de trabalho, não deixando nenhuma alternativa de monitorizar o concurso, dispensado para o efeito um trabalhador; Considerando a minúcia e dedicação que a organização e avaliação de um concurso público exigem verificámos que o momento não seria o mais oportuno; o Orçamento do Instituto não permitiu a realização imediata do concurso.

Que o Senhor Manuel Venham Mais Cem agiu considerando o caso concreto, visando lesar o mínimo possível as expectativas dos hipotéticos e potenciais concorrentes e prosseguindo o fim público.

Que João Sempre Disponível, reúne os requisitos exigidos e que, contrariamente, o candidato António Atento não reúne todos os pressupostos exigidos no artigo 20º nº1 do Estatuto do Pessoal Dirigente.

Que o candidato António Atento tem 20 anos e era profissional de Panificação, trabalhando no estabelecimento do seu progenitor, denominado “Vamos ao pão”.

Pelo acima exposto, a entidade recorrida pede a absolvição da instância.

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Autores e entidade demandada apresentaram alegações finais orais, nas quais em síntese mantiveram as suas posições iniciais, acima enunciadas.

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O Tribunal é competente, nos termos da alínea c) do n.º 1 do Artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro e pela Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são dotadas de legitimidade.
Não existem nulidades ou questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

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Considera-se assentes os seguintes factos com relevância para a decisão:

O Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., a 10 de Março de 2009, procedeu à nomeação, em regime de substituição, de João Sempre Disponível, para o cargo de Director do Centro de Emprego do Município de Desempregados, sem abertura de concurso público.

O Instituto Público supra menciado, em 10 de Maio de 2009, procedeu à nomeação de João Sempre Disponível para Director do Centro de Emprego do Município de Desempregados, constituindo esta uma segunda nomeação, sem que previamente tenha havido lugar a qualquer procedimento concursal.

O Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., Manuel Venham Mais Cem, justificou o seu acto com base na insuficiência de pessoal do serviço que dirige, não existindo meios logísticos para a abertura imediata do concurso público e que tal comportamento já havia sido repetido em centenas de casos idênticos.

António Atento concorreu ao concurso para Director do Centro de Emprego do Município de Desempregados que, nos termos do n.º 4 do Artigo 2.º do Estatuto do Pessoal Dirigente, conjugado com o n.º 1 do Artigo 27.º-A da Portaria n.º 637/2007, de 30 de Maio, na versão que lhe é dada pela Portaria n.º 570/2009, de 29 de Maio, que publica os Estatutos do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., corresponde a um cargo de direcção intermédia do 1.º grau.

Para acesso ao cargo de direcção intermédia, os candidatos ao mesmo devem preencher os requisitos elencados no n.º 1 do Artigo 20.º do Estatuto do Pessoal Dirigente, conjugado com o n.º 7 do Artigo 27.º-A dos Estatutos do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., nomeadamente: têm que ser funcionários licenciados dotados de competência técnica, conhecimento e experiência nos domínios do emprego e formação profissional, aptidão para o exercício de funções de direcção, coordenação e controlo que reunam seis ou quatro anos de experiência profissional em funções, cargos, carreiras ou categorias para cujo exercício ou provimento seja exigível uma licenciatura, sendo necessária para o efeito a existência de uma relação jurídica de emprego público.

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Considerou o presente Tribunal como matéria controvertida com relevância para o conhecimento do mérito da causa:

A primeira nomeação em regime de substituição deveu-se ao facto de o anterior Director do Centro de Emprego do Município de Desempregados, ter falecido num acidente de viação, não tendo sido aberto concurso público.

O concurso público foi adiado indefinidamente.

António Atento abordou o Sr. Presidente do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, com o intuito de conhecer a data do concurso, ao que este respondeu que já tinha o cargo ocupado e “bem ocupado”.

O candidato, António Atento, reúne todos os requisitos exigidos para ser candidato no referido concurso público.

A cessação da primeira substituição.

Procedeu-se a uma segunda nomeação em regime de substituição sendo nomeado, novamente, João Sempre Disponível.

Foi violado o princípio da igualdade, art.5º CPA.

Foi violado o princípio da legalidade, art. 3º CPA.

Foi violado o princípio da persecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, art. 4º CPA.

Foi violado o princípio da Boa Fé, art. 6º CPA, nomeadamente, a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa
Ao agir desta maneira a Administração não agiu de acordo com o principio geral de ética previsto no art. 4º L 51/2005 o qual onera os titulares dos cargos dirigentes, por forma a assegurar o respeito e confiança dos funcionários e da sociedade na Administração Publica.

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Em conformidade com o exposto, cumpre decidir:

Os autores vêm alegar que António Foisse faleceu num acidente de viação, sendo que, o ónus de provar essa alegação é dos autores. Não considera este tribunal que esse facto tenha sido provado. Não obstante, para efeitos do pedido que aqui está em apreciação, o facto de António Foisse ter falecido num acidente de aviação ou ter apresentado a sua demissão do cargo, consubstancia, igualmente, vacatura do lugar que nos termos do artigo 27º nº1 do Estatuto do Pessoal Dirigente possibilita a nomeação em regime de substituição.

Por outro lado, a abertura de concurso público deve ser publicitada na Bolsa de Emprego Público, durante 10 dias, com indicação dos requisitos formais de provimento, do perfil exigido, tal qual se encontra caracterizado no mapa de pessoal e no regulamento interno, da composição do júri e dos métodos de selecção que incluem necessariamente a realização de uma fase final de entrevistas públicas, nos termos do n.º 1 do Artigo 21.º do Estatuto do Pessoal Dirigente e é precedida de aviso a publicar em órgão de imprensa de expansão nacional e em segunda série do Diário da República em local especialmente dedicado a concursos para cargos dirigentes com indicação do cargo a prover e do dia daquela publicitação, nos termos do n.º 2 do Artigo 21.º do mesmo Diploma. Ora, os réus afirmam no ponto 31 da Contestação, que a divulgação do concurso Público foi feita através de cartas registadas com Aviso de Recepção e de publicação prévia de anúncios, ou seja, não existiu nem a publicitação na Bolsa de Emprego Público, nem a publicação do Aviso a divulgar essa publicitação em Diário da República, pelo que, nos termos do n.º 2 do Artigo 130.º do Código de Procedimento Administrativo, a abertura deste concurso público é ineficaz. Assim, embora se reconheça que existiu intenção de iniciar o processo concursal, o mesmo é ineficaz, donde não se aplica o n.º 3 do Artigo 27.º do Estatuto do Pessoal Dirigente, não podendo o nomeado em regime de substituição permanecer nessa situação durante período superior a 60 dias.

Considera este tribunal provado, que existiram duas substituições consecutivas, ambas a nomear João Sempre Disponível director do Centro de Emprego do Município de Desempregados. O Estatuto do Pessoal Dirigente, nos n.ºs 3 e 4 do Artigo 27.º, não proíbe expressamente uma segunda substituição desde que exista uma cessação da primeira nomeação em substituição, prévia à segunda nomeação em regime de substituição. Sobre isto, entende este Tribunal que não se tem como provado a existência de uma cessação da primeira nomeação em regime de substituição, não podendo portanto existir uma segunda nomeação em regime de substituição da primeira pessoa, até tendo em conta obviar a uma situação de fraude à lei, que permitiria a nomeação ad eternum da mesma pessoa, fugindo ao procedimento e aos requisitos mais apertados do processo concursal.

Não se tem como provado, que fosse impossível ao Centro de Emprego abrir processo concursal, tendo em conta a prova testemunhal apresentada. Efectivamente, existiu um súbito aumento do volume de trabalho, mas isso não parece obstar à abertura de concurso público, aliás a dispensa de abertura concursal era frequente, constituindo uma prática reiterada, independentemente das condicionantes externas existentes. Assim, considera este Tribunal que o adiamento deste concurso público, teve outras motivações, que não as expostas pelos réus, querendo-se apenas obviar às exigências procedimentais do procedimento de concurso público.

Tem-se ainda como provado, que o Manuel Venham Mais Cem, disse a António Atento (que reunia os requisitos exigidos pelo Estatuto do Pessoal Dirigente, tendo-se como provado por prova testemunhal que o mesmo tem 31 anos e frequentou o curso de Direito na Faculdade de Direito de Lisboa) que o cargo estava “ocupado, e bem ocupado”, conforme resulta da prova testemunhal apresentada a este tribunal, donde resulta a intenção de não abertura de concurso público.

Considera este Tribunal, que foram violados os Artigos 5.º do Código de Procedimento Administrativo (por António Atento ter sido lesado no seu direito de participação em concurso público), e 3.º do Código de Procedimento Administrativo por preterição do procedimento concursal, e 4.º do Código de Procedimento Administrativo por violação do principio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos e o princípio da boa fé nos termos do Artigo 6º-A do Código de Procedimento Administrativo. Ainda se considera provada a violação do princípio geral de ética previsto no Artigo 4.º do Estatuto do Pessoal Dirigente.

Assim,

Este Tribunal, declara:

A anulabilidade do acto administrativo, relativo à segunda nomeação em regime de substituição de João Sempre Disponível para Director do Centro de Emprego do Município de Desempregados, nos termos do Artigo 135.º em conjugação com o Artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo e com o diploma do Estatuto do Pessoal Dirigente, seguindo o regime dos artigos 136.º do Código de Procedimento Administrativo que remete para o 141º do mesmo diploma.

Condena-se a Administração à prática do acto devido, nos termos da alínea b) do n.º 2 do Artigo 46.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo que, a prática do acto devido seria no caso concreto a abertura imediata de processo concursal para admissão do director do centro de emprego do Município de Desempregados.

Condena-se o réu em custas e procuradoria condigna.

Os Juizes de Direito,
Joana Pires
Petra Camacho
Tiago Gonçalves
Tiago Mendonça